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Cromos da bola II

observatório de ornitorrincos

A revista Sports Illustrated Edição Especial Biquinis continua a merecer a minha atenção neste espaço de debate filosófico e crítica cultural. Revistas como esta de que aqui se trata não podem ficar ignoradas, sob pena de caminharmos para uma sociedade onde o acessório tome o lugar do essencial, onde as ideias substituam de vez a imagem e onde uma qualquer Anne Applebaum seja mais importante que uma Anne V.

Se Kant tivesse alguma vez visto esta revista (ou qualquer uma das suas edições anteriores) nunca tinha escrito aquela idiotice de o belo se constituir em algo sem interesse. E muito menos dizer que o belo não é um conceito de objecto. Que me perdoem os kantianos deste mundo, mas as páginas da SI apresentam um conceito de objecto de elevadíssimo interesse. Por estas e por outras é que não sou kantiano.

Parece que Platão também andou por aí a advertir os indivíduos “excessivamente carnais” sobre a sua incapacidade de subir à beleza absoluta. O grego avisava ainda que a visão do nu propicia a uns a percepção do belo sensível e a outros o belo absoluto. Mas também é verdade que na Atenas daquele tempo grassava a homossexualidade e não havia top-models em fato de bamho.

No capítulo em que esta apurada recensão se deteve na semana passada, intitulado “Chile”, encontramos Bridget Hall, uma veteraníssima de 28 anos, prova que a idade nem sempre é tudo. Hall arranca um solo magnífico com a neve por fundo, apenas comparável ao solilóquio de Molly Bloom no capítulo 18 de Ulysses de Joyce.

Seguem-se umas notáveis páginas adriáticas chamadas “Croácia”, com Michelle Alves, Jessica White e Daniella Sarahyba, a personagem literária mais fascinante de toda a narrativa, juntamente com Veronica Varekova. Estas páginas mostram claramente que a Croácia merece bem mais ser membro da União Europeia do que Portugal ou o Luxemburgo. E entendo agora a relutância da Sérvia em permitir a independência da Croácia. História política não se aprende só com as aparições de Nuno Rogeiro na SIC.

Os capítulos seguintes tomam finalmente interesse pelo desporto, que é afinal a ideia do título da revista. “Segunda Pele” mostra alguns equipamentos de equipas norte-americanas pintadas sobre o corpo das raparigas, numa atitude louvável de poupança de tecido e combustível. “Chama Olímpica” apresenta três medalhadas nos Jogos Olímpicos de Atenas em biquini – uma beisebolista, uma nadadora e uma basquetebolista. Os autores procuraram incluir também uma campeã olímpica de futebol, mas a intransigência das suas namoradas impediu esse objectivo. “Venus”, dedicado exclusivamente à mana Williams com o mesmo nome, prova que o lugar da tenista é mesmo nos courts e que quem aqui devia estar era Maria Sharapova.

No penúltimo capítulo, regressamos à variação geográfica, agora com “Tailândia” e Oluchi Onweagba, Jessica Van Der Steen e Ana Beatriz Barros, a mais recente razão para não sair do Brasil ou para tentar emigrar de cá para lá.

O capítulo final foi uma escolha do público americano, num exercício de escrita interactiva, que levou Alicia Hall às páginas da Sports Illustrated. Estas páginas devem ser lidas com bastante atenção, principalmente as imagens da personagem que fecha a publicação e deve promover-se a reflexão em torno destas questões: “Um povo que escolhe Alicia Hall para a Sports Illustrated não pode ser estúpido” e “Alicia Hall é a razão de os EUA serem a única super-potência”.

A revista termina com um posfácio sobre o tipo que faz as fotografias da Sports Illustrated Edição Especial Biquinis há 34 anos. O senhor chama-se Walter Iooss Jr. É atropelar esse gajo, se fazem favor.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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