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Critérios Jornalísticos

As televisões continuam a martelar-nos com o menino madeirense de dezoito meses que desapareceu e foi encontrado três dias depois, com a tragédia do Meco (esta ao menos a servir de pretexto para lançar o debate sobre as praxes académicas), com a adopção e co-adopção por casais homossexuais (tenho uma pergunta: duas pessoas do mesmo sexo que vivam juntas e não sejam homossexuais podem adoptar?), as manifestações na Ucrânia, o frio nos Estados Unidos, as proezas sexuais do presidente francês. Para além disso, o leque habitual de explosões de gás, de desastres de avião e casos de polícia, para além dos sound bites de deputados e políticos em geral, greves, meteorologia e os casos insólitos ou as efemérides do dia. Há umas semanas era o prémio do Cristiano Ronaldo, antes a morte do Eusébio, entre as duas o debate sobre o Panteão Nacional. Para o futuro, o que nos espera, para além da moda do dia, são outros sound bites, outras efemérides, outras explosões, mais um escândalo sexual, mais o caso insólito do cão que nasceu com duas cabeças, o treinador de futebol que viu um porco andar de bicicleta e a bimba do reality show que mudou de namorado ou aumentou o tamanho das mamas.

É hoje mais evidente que a imprensa não é um serviço público mas uma indústria e que tem uma ideia muito própria do que são as preferências dos leitores. Atendendo ao estado lastimável a que a generalidade dessa indústria chegou mais parece que está a falhar no alvo, mas não podemos esquecer que a imprensa que mais vende é a que mais se aproxima da minha caricatura. Esta dirá por isso mais sobre nós do que sobre a nossa imprensa, e o retrato está longe de ser lisonjeiro, mas é também cada vez mais evidente que a informação verdadeiramente importante já não está necessariamente na imprensa, ou que esta serve sobretudo para vender publicidade. Como a internet, já agora.

Isto estava previsto há muito tempo. A nossa imprensa, na sua vacuidade geral e na sua obediência àquilo que julga serem as preferências dos leitores aproxima-se cada vez mais da imprensa do mundo imaginado em 1953 por Ray Bradbury em “Farenheit 451”: nesse mundo os livros são proibidos e queimados (ardem à temperatura que dá o título ao livro), os políticos são escolhidos pelo seu aspecto e pela sua pose, num simulacro grotesco de democracia, a opinião pública é sabiamente manipulada através de notícias escolhidas a dedo, o prazer imediato é a ideologia dominante. A diferença para o mundo de hoje é que, pelo menos no Ocidente, não começámos ainda a queimar livros. Mas é quase o mesmo, que é publicado tanto que o pouco que vale a pena ler acaba por ficar soterrado debaixo de uma imensidão de inutilidades.

Por: António Ferreira

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