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Contradições marcam primeira sessão

Tribunal de Foz Côa iniciou julgamento de alegados homicidas de dois GNR de Freixo de Numão

O julgamento do homicídio de dois militares da GNR de Freixo de Numão, ocorrido em Setembro de 2004, começou terça-feira no tribunal de Foz Côa com uma sessão marcada por declarações contraditórias de um dos arguidos. Uma situação que motivou várias advertências do juiz. Os arguidos – António Moutinho, agricultor de 55 anos, e o filho Márcio Moutinho, de 25 anos, ajudante de arqueologia – deram entrada no tribunal sob fortes medidas de segurança da GNR, no interior e exterior do edifício, onde se concentraram algumas dezenas de pessoas, grande parte delas de Freixo de Numão, onde ocorreu o crime.

Os arguidos chegaram a requerer ao colectivo de juízes, presidido por Heitor Osório, que a sessão não fosse aberta ao público, alegando «razões de segurança e de constrangimento pessoal, familiar e social», mas o pedido foi recusado. O magistrado alegou que a audiência de qualquer julgamento é pública, pois caso contrário pode ser considerada nula. A primeira sessão começou depois com António Moutinho a recordar os factos ocorridos 6 de Setembro de 2004 no recinto das festas da Nossa Senhora da Carvalha, em Freixo de Numão, onde se encontrava o filho Márcio, que posteriormente apareceu junto a casa dizendo «que o queriam matar» e que estava a ser perseguido depois de ter realizado disparos no recinto onde se encontravam os soldados da GNR que acabariam por ser mortos. Quando saiu de casa alegadamente em socorro do filho com uma caçadeira, disse ter visto um homem sobre o filho e outro a agredi-lo aos pontapés. Negou, contudo, ter constatado que os supostos agressores eram militares da GNR, afirmando ainda que não estavam com coletes reflectores identificativos, pelo que procedeu a «disparos [com uma caçadeira carregada com três cartuchos] para o ar para que fugissem».

«Fiquei cego»

António Moutinho confessou ter recarregado a arma e disparado mais dois tiros, enquanto a sua filha, que presenciou a situação, era insultada e ameaçada por uma das vítimas, que, soube depois, era afinal um dos guardas da GNR. «Queria que fugissem, que fossem embora, que o deixassem em paz», declarou, numa referência à acção dos militares, que alegou não ter reconhecido como agentes da autoridade. O arguido referiu igualmente que tudo se terá passado num ambiente escuro e que quando viu «um homem» apontar-lhe uma arma ao peito «ficou cego», pelo que disparou contra o homem, que era um elemento da GNR, que «caiu para trás» com o tiro. E admitiu ter disparado contra a viatura que serviu de cobertura aos guardas e de ter ouvido disparos de pistola que lhe teriam «passado junto à cabeça». Posteriormente, contou, os seus filhos arrastaram o cadáver de um dos guardas alegadamente para «desobstruir o caminho e ir chamar a GNR». As contradições de António Moutinho que motivaram a advertência do juiz-presidente referiram-se à forma como foram feitos os disparos, o seu objectivo e o reconhecimento dos «homens» que afinal eram militares da GNR e perseguiam o seu filho. O arguido acabou por admitir conhecer um dos guardas, pois chegara a vê-lo fardado no café.

Durante o depoimento manteve ter «disparado ao calhas», sem o propósito de matar os militares e desconhecer que um deles, depois de atingido, tinha deixado cair uma espingarda automática G-3. Apesar de ser caçador, disse «desconhecer nem nunca ter visto assim uma arma” como a metralhadora usada pelas forças de segurança e pelo Exército. Acrescentou ainda que na altura desconhecia os acontecimentos no recinto de festas em que o seu filho esteve envolvido, tal como ignorava que ele tinha uma pistola de calibre 6.35 milímetros. Segundo a acusação, os arguidos, pai e filho, tinham visto as vítimas Francisco Inês e Sérgio Russo no recinto das festas da Nossa Senhora da Carvalha na noite do duplo homicídio. Posteriormente, os dois guardas viriam a dirigir-se à Quinta do Castanheiro para abordarem Márcio. A advogada de defesa, Maria do Céu Louro, requereu ao tribunal nova peritagem sobre os acontecimentos, que foi recusada. Os advogados José Martins Igreja e Ricardo Campos representam a família das vítimas. O julgamento prosseguiu durante a tarde com a audição do arguido Márcio, acusado de ter disparado tiros de pistola que vitimaram um dos soldados da GNR.

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