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Contra o Acordo Ortográfico

No meu último artigo dizia que os embusteiros e as massas são um conjunto congruente e que o 25 de Abril falhou em todos os propósitos que a si próprio se apresentou. A razão desta ruína reside tão-só na incultura dos seus promotores – a menos que não quisessem apresentar-se como dirigentes. De Soares dizia o pai: «Nunca deixem chegar o meu filho aonde ele quer»; e Cunhal era um ignorante sinistro que nunca entendeu que não é com a violência que se resolvem problemas, quaisquer que eles sejam, a começar pelos humanos. Quanto à Igreja, a depositária da espiritualidade, a despeito da soberba elevação de alguns dos seus próceres, tem que entender que o Imanente lhe pode fornecer inestimáveis lições para melhor afirmar o Transcendente, falha que, desde há séculos, é uma mácula de que não tem conseguido libertar-se.

Ao querer-se o poder pelo poder, ao afirmar-se a importância da violência para se alcançar o poder, ao não saber bem o que é o poder, afirma-se ipso facto que o Espírito – ou pelo menos uma sua parte – fica arredado. E, todavia, só o Espírito pode ter protagonismo, só ele pode comandar a vida, seja a pessoal, a gregária ou a da comunidade lato sensu (a Nação, portanto).

Historicamente sempre assim foi; e o Estado, tal como hoje o entendemos, era a concreção do Espírito. Da teocracia nilótica à polis grega e ao rei representante de Deus na terra não temos mais que exemplos. «O Estado é a ideia divina na terra», afirmava Hegel (1770-1831), salvo erro no século XIX. Os próprios nazismo e fascismo também apontavam para o mais alto. Mas o nazismo foi o que foi porque Hitler era um charlatão; e o fascismo, a despeito de pregar os mais altos ideais e ter filósofos ao seu serviço, deixou-se, ademais, corromper pela força física.

À Infinita Inteligência do Universo é inerente a variedade de concreções culturais, históricas e linguísticas. Sucede é que a vontade humana carece de ânimo (esforço espiritual, quero dizer) para entender essa Infinita Inteligência e, subsequentemente, entender-se a si própria. É o reino da estupidez, de que, genialmente, falou Carlo Cipolla (Allego ma non troppo – As Leis Fundamentais da Estupidez Humana).

A «dilatação da Fé e do Império», está em Camões. Todavia, a do Império gerou uma corrupção de tal monta (D. Manuel não se importava que outros roubassem…) que, desde a postura dos capitães-donatários na Madeira à violência na Ásia, à quantidade de naufrágios e de frades dissolutos, o rol de desgraças trazidas pela Expansão é conhecido por qualquer iniciado em História de Portugal.

E se «as linhagens são as grandes criadoras de nacionalidades», como disse J. Flach com a melhor propriedade, somos levados a pensar que nem as linhagens portuguesas foram perfeitas, nem ao poder político e religioso português do século XVI se podem atribuir intangíveis virtudes. O poder político porque ficou “inebriado” com as riquezas de além-mar, a Igreja porque, em obediência aos ditames de Trento e ao que era, então, a sua própria concepção de verdade religiosa, se opôs à liberdade do espírito. Saber ler e cultivar-se para quê?! O que as pessoas têm que fazer é seguir as leis de Deus – tão-só.

A Cultura, o Espírito, o único motor de progresso, viu-se suplantado pelo trabalho braçal e a actividade mercantil ou outra. (Aviso ao leitor: não se trata de qualquer lamúria, visto que cada país tem a sua própria história; e é com a nossa que temos que desenvencilhar-nos).

Onde o Espírito foi o motor, a Cultura e a Civilização afirmaram-se imponentes, como são os casos alemão, inglês e norte-americano (a disciplina e a ambição alcandorou-os); onde interesses espúrios se converteram no protagonismo deu o “sem Rei nem Roque”, que Camões sintetizou: «Um Rei fraco faz fraca a forte gente».

O Brasil não foi apenas o destino de dezenas de milhares de analfabetos, mas uma realidade escravocrata que veio, digamos, até agora mesmo. E quando o Capitalismo internacional acaba de reconhecer a possibilidade de investimentos tranquilos no Brasil – o que sucedeu precisamente há dois ou três dias – e elementos do Governo, a começar por Lula, se congratulam com a “seriedade” que é reconhecida ao seu país já sabemos (se ainda fosse necessário…) melhor o que o Brasil é.

Há escassas décadas Josué de Castro n’A Geografia da Fome e Morte e Vida Severina lançava gritos pungentes contra a desnutrição e afirmava que, no NE. brasileiro, havia quem comesse terra. Tal qual!

Numa terra de ocupação, analfabeta e escravocrata, que importância e atenção estavam voltadas para o idioma? Respondo: um linguajar arcaico, com uma fonética, morfologia e sintaxe que não é a nossa. Em suma: o espírito português não é o brasileiro e falar do avanço cultural português sobre o Brasil é ocioso. Vamos substituir o hodierno pelo arcaico? O português tem «uma variedade ultramarina com mais falantes e mais peso internacional que o país de origem»? E daí? Não é o que acontece com o Inglês e o Castelhano?

Os “luminares” que fizeram o 25 de Abril são gente cuja categoria se atesta hoje pela popular indiferença relativamente a essa data. Tratou-se, como o disse certeiramente Vasco Pulido Valente, de uma «revolução anacrónica». Desde então até hoje o “Ministério da Educação” em Portugal mais não fez que dar um degradante espectáculo de incompetência e de ruína. Atenção à etimologia, à semântica, à ortoépia, à oralidade, à escrita? Ora, ora, onde é que isso alguma vez, nestas mais que três décadas, coube na cabeça de tais “luminares”, de seus pares e sequazes. Se os seus horizontes não fossem o repúdio que, nomeadamente, 100 mil professores manifestaram…

Ou seja: que os governos (anterior, este e vindouros) respeitem a Cultura Portuguesa, desde logo ensinando a falar português.

Guarda, 5-V-08

Por: J. A. Alves Ambrósio

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