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Contos birmaneses

Agora Digo Eu

Segundo estatísticas da ONU, a Birmânia é hoje um dos países mais pobres do mundo. Um terço de crianças sofre de desnutrição e uma em cada quatro famílias vive abaixo do limiar da pobreza. No revés da medalha vemos um país rico em recursos naturais, abundam grandes fortunas, sustentadas por atividades ilícitas a que se somam lavagens de dinheiro provenientes da venda de pedras preciosas, madeira e droga.

Myanmar, antiga Birmânia, é um país asiático com uma população que ultrapassa os 50 milhões de habitantes onde as minorias étnicas Karen, Karenni e Shan são extremamente importantes. Descendentes de tribos mongóis desde o século VII, a sua unificação foi feita em 1054 com a fundação da dinastia Pagan e onde o budismo teve papel determinante. Desde 1287, altura de nova invasão mongol, o país só se reunificou em 1752 para, no século XIX, o império britânico anexar a Birmânia à colónia da Índia. Na IIª grande guerra é ocupada pelo Japão, recuperando a independência em 1948.

Em 1962 um golpe militar instituiu uma ditadura mas desentendimentos entre militares leva ao poder, em 1988, o general Saw Maung. Este altera o nome do país e, em 1990, nas eleições para o parlamento, que a oposição vence folgadamente, os militares impedem toda e qualquer atividade política mergulhando o país numa profunda crise. A junta apresenta uma espécie de Constituição feita por mil deputados, onde não existia qualquer elemento da oposição, estabelecendo a figura de presidente na condição de nenhum dos candidatos ser casado com estrangeiros, o que faz com que Aung San Suu Kyi não se pudesse candidatar, pois tinha sido casada com Michael Aris, professor britânico especialista em questões budistas e do Tibete.

Em setembro de 2007, a Birmânia voltou a despertar. Com o apoio de monges budistas e sob o pretexto de aumento de 100% no valor dos combustíveis e de 500% no gás natural, curiosamente uma das suas grandes riquezas, os cidadãos aderiram e Rangum foi palco da maior manifestação dos últimos 20 anos, o que obrigou a junta a colocar cartazes por todo o país a dizer “O exército e o povo são só um. Há que cooperar e esmagar os que fazem mal a esta união”. Vozes autorizadas, resoluções da ONU e do Parlamento Europeu juntaram-se ao protesto, pedindo que terminasse uma das mais ferozes e corruptas ditaduras do mundo.

A líder da Liga Nacional para a Democracia, Aung San Suu Kyi, venceu as eleições em 1990 com mais de 80% dos votos, foi galardoada com o prémio Sakarov da Liberdade de Pensamento e no ano seguinte venceu o Prémio Nobel. Privada de liberdade, impedida de sair do país, foi o seu filho Alexandre que recebeu o tão merecido prémio. Note-se que a ditadura birmanesa, independentemente de uma pequena abertura entre 1995 e 2000, apenas lhe era permita visitas médicas, escutar rádio de onda curta, não podendo receber visitas, nem dos próprios filhos. Houve nessa altura centenas de detenções, nas cadeias os presos políticos contavam-se aos milhares, a tortura e as execuções eram o prato do dia.

No domingo passado, a Birmânia, ou melhor Myanmar, foi a votos para eleger 1.159 deputados, onde nem todos os naturais puderam votar como a grande maioria muçulmana, os de etnia Rohingya, trabalhadores migrantes e mais quem eles quiseram e determinaram. Observadores e alguns meios de comunicação chamaram a isto eleições livres!!!

25% dos lugares no parlamento são para os militares, A Assembleia irá, em janeiro próximo, eleger um Presidente, com as restrições conhecidas. O governo, segundo a Constituição de 2008, determina que os ministérios do Interior, Defesa e Fronteiras sejam ocupados por militares., etc. etc. etc.

A Liga Nacional para a Democracia venceu as eleições com mais de 70% dos votos. E a pergunta coloca-se: Será que vai governar? E se for, que tipo de governo será, tendo em conta todas as regras e imposições constitucionais. Alguém, no seu perfeito juízo, chama a isto democracia e afirma que estas são eleições livres?

Fiquemos hoje por aqui. Lá longe na Birmânia, ou melhor em Myanmar, sabemos perfeitamente com o que contamos, enquanto por cá, em Democracias maduras, os tiques e repeniques de alguns parecem estar na ordem do dia. Tomemos por exemplo este cantinho á beira-mar plantado. Se a direita tivesse o maior número de deputados no Parlamento estava tudo bem. Tudo corria às mil maravilhas. Mas é a esquerda e aí “a porca torce o rabo”.

Pois bem, é mesmo por isso que deve cumprir-se a Constituição, cumprindo também a regra política da maioria, consumando assim o preceito democrático.

Por: Albino Bárbara

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