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Comunidade Urbana das Beiras ameaça desintegrar-se

Municípios da Beira Interior Norte consideram que associação intermunicipal é um «mal menor»

A criação de uma comunidade urbana na Beira Interior corre o risco de voltar ao ponto de partida, sendo cada vez mais notória a fragilidade do acordo que juntou em Dezembro último doze municípios na fundação da Comunidade Urbana das Beiras. Perdida a possibilidade de atrair os concelhos serranos e de juntar autarquias a Sul da Gardunha com a Beira Interior Norte, este projecto de comunidade, que corre o risco de não passar de uma intenção, parece estar agora a caminhar para a desintegração. Perante o impasse, já há quem ameace partir para outra e criar uma associação intermunicipal só com municípios do distrito da Guarda.

Tudo se precipitou na última semana, após o encontro do Fundão durante o qual os autarcas de Belmonte, Covilhã e Fundão voltaram a insistir no convite a outros municípios do distrito de Castelo Branco. A opção contraria a vontade dos municípios a Norte da Cova da Beira sobre a composição da futura comunidade e não tardou a motivar reacções contrárias. José Manuel Biscaia, presidente da Câmara de Manteigas e da funesta Associação de Municípios da Cova da Beira (AMCB), avisou, em declarações ao jornal “Diário XXI”, que na impossibilidade de se constituir uma Comunidade Urbana com os concelhos da Cova da Beira e Penamacor, os municípios da Beira Interior Norte avançariam para a criação de uma Associação Intermunicipal.

«Existe uma afinidade histórica e cultural entre estas duas regiões, contraposta com a menor ligação entre a Guarda e Castelo Branco», refere, considerando que, tal como em 1998 por ocasião do referendo sobre a regionalização, estas duas cidades ainda não estarão «preparadas para fazer essa ligação». A sua alternativa passaria então pela adopção do “mapa” da AMCB, ao qual se juntaria a Covilhã. Um cenário que Carlos Pinto já contestou, sublinhando que o que está em causa é «impedir a Covilhã de ficar no centro da nova divisão administrativa».

O presidente da Câmara da Covilhã não tem dúvidas que a indisponibilidade dos municípios das áreas da Guarda e Castelo Branco em criar uma grande comunidade urbana na região tem por base esse «preconceito». Temendo a fragilização da Beira Interior no processo, Carlos Pinto acusa, nomeadamente, a actuação do presidente da Câmara de Manteigas, José Manuel Biscaia, «que quer transformar uma associação de municípios morta e enterrada [Associação de Municípios da Cova da Beira] numa comunidade intermunicipal, eventualmente para sobrevalorizar questões de liderança». Será dividir para reinar, desconfia o edil covilhanense, para quem é necessária neste processo uma divisão administrativa com «peso demográfico e territorial», uma ideia que encaixa que nem uma luva no modelo de uma comunidade urbana «o mais alargada possível». De resto, Carlos Pinto adianta que só a união dos dois distritos garante «um espaço comparável ao que está a ser feito no resto do país», pelo que apela a que se «baixem bandeiras, se renuncie à pequena visão de paróquia e se olhe para o que se passa na Europa». «Aqueles que agora estão a fragilizar o processo, que depois não se queixem se perdermos o comboio orçamental, literalmente», avisa.

«Autarcas não sabem como fazer a divisão»

O economista Pedro Guedes de Carvalho, professor de Economia na UBI e coordenador do projecto para a criação da marca “Serra da Estrela”, revela-se bastante crítico quanto ao actual processo de descentralização. Numa entrevista a “O Interior” (ver página 3 desta edição), o economista diz-se «preocupado» com o que se está a passar na região, admitindo mesmo que este formato de regionalização é «um brinquedo do Governo» e que os autarcas «não sabem como fazer a divisão». Pedro Guedes de Carvalho garante que o mais importante é uma união regional em torno de projectos concretos e «não criar um falso problema». Na sua opinião, com a criação das comunidades, o Governo está a remeter para os municípios «um problema» que deveria resolver e as autarquias estão «a cair neste logro». Nestas circunstâncias, o professor acha que «corremos o risco de fazer uma comunidade urbana e excluir municípios que são ilhas», reconhecendo ainda que este modelo pode fragilizar a concretização de projectos de âmbito regional e aponta o caso da Serra da Estrela: «Se não existir comunidade urbana coincidente com a zona da Serra da Estrela é mais complicado pedir recursos, porque não haverá força suficiente para reivindicar mais meios», receia.

Até agora, apenas treze municípios dos distritos de Castelo Branco e Guarda subscreveram um acordo de princípios para a constituição de uma entidade administrativa intermédia que pretende gerir investimentos e serviços comuns para a região. Os concelhos fundadores têm convidado entretanto outros municípios destes distritos a integrarem a futura comunidade, mas sem resultado prático até ao momento.

Os municípios de Almeida, Celorico da Beira, Figueira de Castelo Rodrigo, Guarda, Mêda, Pinhel, Sabugal e Trancoso, pertencentes à NUT Beira Interior Norte, bem como os concelhos de Belmonte, Covilhã e Fundão, da NUT Cova da Beira, Penamacor, da NUT Beira Interior Sul, e Manteigas, da NUT Serra da Estrela, são os fundadores, que, embora não desistem da ideia de ter um peso político e dimensão «mais alargadas», têm tido dificuldades em criar uma grande comunidade que vai do Douro à campina de Idanha e ao Pinhal de Proença-a-Nova. O que ficou claro em Dezembro último, quando os nove municípios da Beira Interior Norte, no distrito da Guarda, anunciaram não desejar uma comunidade que integrasse municípios a Sul da Serra da Gardunha. Tal atitude foi justificada com a falta de afinidades entre os diferentes concelhos. Do lado de lá, o sentimento manifestado foi o mesmo.

De recuo em recuo

Na altura, o presidente da Câmara do Fundão, Manuel Frexes, considerou esta decisão dos nove municípios como «um recuo» perante os princípios inicialmente estabelecidos entre os autarcas durante o último ano. «Até 31 de Janeiro, temos de conhecer quem está virado para a criação de comunidades redutoras em vez de congregar vontades», referiu Frexes. Pelos vistos, não foi preciso esperar até lá. Mais grave é a ideia de que a Comunidade Urbana das Beiras pode estar a encolher com o passar das semanas. Se já não ia para lá da Gardunha e da Serra da Estrela, o fantasma de uma cisão a Norte da Cova da Beira está cada vez mais presente. Menos tumultuosa deverá ser a passagem de Seia, Fornos de Algodres e Gouveia para a Área Metropolitana de Viseu, juntando-se a Aguiar da Beira.

Inquiridos consideraram que a actual distribuição de verbas beneficia demasiado pelo menos uma região do país

Portugal ficou a perder sem regionalização

Quase metade dos portugueses considera que Portugal «ficou a perder» sem a regionalização, tema de um referendo feito há cinco anos, revela uma sondagem para a RTP divulgada segunda-feira no jornal “Público”. Quarenta e seis por cento dos inquiridos respondeu que Portugal ficou a perder pelo facto de não se ter avançado com o processo de regionalização proposto há cinco anos. A sondagem mostra que uma parte considerável dos interrogados (32 por cento) optou por não responder ou disse não saber responder. Apenas 22 por cento afirmou que Portugal ficou a ganhar sem o processo de regionalização. Cerca de 40 por cento dos entrevistados considerou que há mais corrupção na administração central do que no poder local e 32 por cento julga que Lisboa e Porto são as regiões mais beneficiadas pelo Orçamento de Estado. Aliás, quase dois terços dos inquiridos considerou que a actual distribuição de verbas beneficia demasiado pelo menos uma região do país. Metade dos questionados respondeu também que a desigualdade entre as regiões mais e menos desenvolvidas aumentou nos últimos anos. Esta sondagem foi realizada pelo Centro de Estudos e Sondagens da Universidade Católica para a RTP, no dia 08 de Janeiro, abrangendo 651 inquéritos válidos, sendo a margem de erro da amostra de 3,8 por cento, com nível de confiança de 95 por cento.

Luis Martins

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