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Complicações Ideológicas

Num blogue conotado com o PC, o 5dias.net, começou no dia de Natal uma fascinante e divertida discussão: o muito jovem Manuel Medina publicou uma fotografia, tirada em Figueiró dos Vinhos a um cartaz colocado em frente a uma casa. O proprietário desta, presumível autor do cartaz, denunciava um engenheiro, seu inquilino do rés-do-chão do prédio, de pagar de €11,52 de renda por um apartamento com 150 metros quadrados e jardim quando ele, senhorio, pagava quase o dobro pelo mesmo apartamento em impostos. Manuel Medina intitulava a entrada no blogue “Proprietário paga para inquilino ter casa…” e reportava a responsabilidade da injustiça a uma das burrices da primeira república, que teria tomado como uma das primeiras medidas o congelamento das rendas.

No dia anterior, no mesmo blogue, Nuno Ramos de Almeida, um não muito jovem “grande repórter”, atirava-se a Pacheco Pereira por este ter defendido que o PCP e o Bloco instrumentalizavam a pobreza ao pretenderem criar uma artificial luta de classes onde, sarcasmo de Nuno Ramos de Almeida, “só existe harmonia celestial”, quando, segundo este último, a pobreza resultaria em grande parte da vitória da “classe dos ricos sobre a dos pobres”.

Deixando por ora o velho Marx a rebolar-se de nojo na sua sepultura, certamente pouco satisfeito com esta perigosa simplificação (O que é um rico? Nuno Ramos de Almeida é rico ou pobre? E Jerónimo de Sousa?), regressemos à história do senhorio, como tratada no 5dias.net: em 26 de Dezembro, Carlos Vidal publica uma entrada com o título “A propósito de um post (por assim dizer), em baixo, que nos chama a atenção para os infortúnios de um senhorio bufo”, onde sova o jovem e ignorante Daniel Medina pelo seu desvio de direita, corrige a imprecisão da responsabilidade do congelamento das rendas, passando-a para a segunda república, e deixa a mensagem subliminar de que o senhorio deve pagar o IMI (imposto municipal sobre imóveis), como é sua obrigação, e não bufar, mesmo que com o apoio de um “blogger da casa”, em vez de prosseguir na sua tenebrosa agenda de subir a renda para “500 ou 600 €!!”.

A coisa não ficou por aqui. Em 27 de Dezembro introduziu-se na discussão Renato Teixeira com uma sequência de entradas levando o título de “QUEM NÃO PAGA NÃO MAMA! – Lições sobre a propriedade privada” (I, II e III). Na terceira entrada entra a matar: “Esta posta do Daniel Medina faz uma defesa abjecta do capital rendeiro, tomando o inquilino como uma espécie de chulo do proprietário. Não bastava o pobre do visado ter sido sujeito à bufaria inqualificável de um senhorio, ainda teve de gramar com a delação fotográfica de um escriba aqui da tasca”. Renato Teixeira acaba por apontar ao jovem Mediana o caminho certo, “mesmo sem querer pensar as possibilidades da propriedade colectiva e evitando a maçada de autores ainda mais aborrecidos”, mas sugerindo-lhe uma passagem significativa de Proudhon – onde se propugna a abolição das casas de aluguer através da amortização do seu preço com a própria renda, passando a final para a propriedade dos inquilinos.

Mais tarde no mesmo dia Paulo Jorge Vieira vem pôr alguma água na fervura valorizando a beleza da discussão, admitindo haver alguma injustiça na situação do senhorio e sugerindo como solução baixar-lhe o IMI. Entretanto, no seu próprio blogue (jdanielmedina.wordpress.com), o jovem Medina ria-se da confusão que tinha armado.

E agora regressemos à luta de classes: quem é rico, o engenheiro que paga €11,52 de renda ou o seu senhorio? Qual o lado justo da barricada? Nota final: o problema do congelamento das rendas é também responsabilidade da terceira república.

Por: António Ferreira

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