O Luís Figueiredo é professor na Escola Superior de Tecnologia e Gestão (ESTG) do Instituto Politécnico da Guarda. É praticamente desconhecido daquilo que se chama “o grande público”. É modesto, tímido e não gosta de se dar a conhecer. É também o criador e impulsionador de um projecto chamado “Magic Key” que conseguiu emular o movimento de um rato de computador por simples efeito do olhar. Agora, se não se importa, caro leitor, não leia esta parte do meu texto em diagonal e volte um bocadinho atrás: o Luís Figueiredo descobriu uma maneira de se conseguir movimentar o ponteiro de um rato de computador por efeito do olhar! Olha para um ponto do seu ecrã e o ponteiro do rato desloca-se para aí, como por magia.
Perguntará agora qual a utilidade dessa descoberta, mas apenas porque não pensou um momento sobre o assunto. Mas imagine que é tetraplégico, que não consegue mover nem pernas, nem braços, nem mãos. Está totalmente dependente de terceiros para tudo, do mais complicado ao mais simples. Não há nada que possa fazer. A vida para si é apenas uma humilhante sequência de dias, todos iguais ou piores que o anterior no sofrimento e na frustração; um dia você poderá ser, como tantos antes de si, alguém que dita a outros cartas em que reclama o direito a morrer. Com o “Magic Key”, a sua vida irá sofrer uma revolução: terá acesso à internet, poderá enviar e receber mails, poderá escrever em processadores de texto, ler livros e documentos no computador, trabalhar em folhas de cálculo. Repito: poderá trabalhar. Poderá também, através de aplicações de domótica, controlar a sua casa. Poderá acender e apagar luzes, aquecedores, televisões, poderá fazer e receber telefonemas (ao menos através do computador), abrir e fechar estores, accionar sistemas de rega, de alarme, todo o tipo de aparelhos que podem ser controlados através de computador. Apenas com um olhar. E isto é apenas o princípio.
Mesmo para os não deficientes a ideia de Luís Figueiredo pode ter inúmeras aplicações, seja na domótica ou tão só numa utilização mais eficiente do computador. Basta alguma imaginação.
E isto é tudo o que tenho a dar de boas notícias por hoje. É que, para além do apoio da ESTG (em troca de prescindir dos direitos de autor), depois de numa fase inicial do projecto ter recebido o patrocínio da Associação Augusto Gil, Luís Figueiredo não tem ninguém a ajudá-lo. Se vivesse num pais mais civilizado do que este teria empresas a financiá-lo e uma vasta equipa à sua volta. Os estudantes de informática acotovelar-se-iam para poderem participar no projecto e lutariam por um lugar. Mas não, isto é Portugal, é a Guarda. Em Fevereiro do ano que vem Luís Figueiredo vai deixar de beneficiar da actual dispensa lectiva, algum tempo depois uma qualquer empresa americana vai ouvir falar do projecto, descobrir a ideia que está na sua base e colocar no mercado uma aplicação comercial. Um dia, ninguém recordará que tudo começou na Guarda. Valha-nos que alguns deficientes profundos já viram, graças ao Luís Figueiredo, a sua vida voltar a ter sentido.
Sugestões:
Um livro: O Animal Moribundo (Philip Roth, D. Quixote 2006). Tem um homem direito ao sexo, depois de passar os sessenta anos? Tem sim, segundo Roth (a quem roubaram de novo o Nobel), e também à humilhação e à perda.
Obras a embargar: as inenarráveis construções em curso sobre as muralhas da antiga cidadela da Guarda.
Por: António Ferreira