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Colonialismo: corda por enfrentar e silêncios por quebrar

Opinião – Ovo de Colombo

Lapa pisca o olho ao Riacho de Santana. De morro em morro avanço com Leblon ao Sul e Rio no epicentro. Do Oiapoque ao Chuí, pobreza não conhece abrigo, Complexo da Maré vai contra estatísticas, e estar vivo já é toda uma sorte. Brasil é mais do que Rio, é cair em febre numa sexta à noite, e ainda assim dançar e ser feliz.

Durante 15 dias construí arquitectura. De uma ponta à outra mergulhei, pisei, corri, mas ônibus foi ainda mais rápido. Durante dias e noites, de anos e anos, estive nesse Morro sem Providência, rinoceronte sem elefante, registo não censurado, uma volta ao mundo do mais remoto (Tristão da Cunha) ao mais gigante (América sem Américo Vespúcio), e um mar de mil razões porque «o meio não é mais a mensagem».

Em caldo carioca o olho move depressa, mas jequitibá tudo vê: Lucas (permanece preso na morte de sua mãe), Gabriel (sem olho), Judite (sempre em recomeços), Zaca (espera ponto de luz), Noé (quer contrato para seu coração), Tristão (português católico, mas pronto a desembaraçar a corda de mortos), Inês (portuguesa, céptica, a mais recém-chegada ao Rio) e pelo meio um narrador que faz a ponte entre Portugal e Brasil. Se a herança colonial portuguesa fora outrora cheia de equívocos, hoje temos sete protagonistas que tudo querem fazer explodir, tudo por rebentar.

Tapioca quer transformação completa. E o português o que quer? O narrador não nos diz o que fazer, mas larga todas as respostas: «Todos os impérios são uma história de violência, caberá a cada um atravessar a sua para ser mudado (…) Quem teme deixar de ser quem é não vai saber quem foi nem quem vai ser». Contra o pensamento de que não há mobilização nem reflexão na favela, Alexandra Lucas Coelho descreve muitos tempos ao mesmo tempo e “Deus-dará” não conserva estima pela inocência.

Fecho os olhos. Tudo está vivo. Se hoje fosse o fim do mundo quais seriam as verdades que estariam por gritar? Queremos nós morrer sem conhecer as razões por que Portugal se lançou ao mar? Somos responsáveis por África, mas suavizamos um passado mais antigo? Como poderemos considerar legítimo ocupar o que não nos pertence? «Camões terá simplesmente deitado água benta?» O que uns chamam descobertas, outros apelidarão de invasão. Bolha em ira, basta sentar lá e ver como tudo rompe. Geografia não dá tudo e aleijada senzala privilegia branco, sem demolir castelo.

Melanie Alves*

* A autora escreve de acordo com a antiga ortografia

** Melanie Alves tem 26 anos, é licenciada em Ciências da Comunicação pela Universidade da Beira Interior. Natural da Suíça, foi jornalista na revista “Portugal Inovador” e desde nova que vive a paixão pelas histórias. Nunca descarta as cidades que Alexandra Lucas Coelho dá a conhecer, nem as intrigas que só Dostoiévski soube escrever. A autora acredita, no entanto, que «o mais imprescindível é o confronto nu e cru que só a rua nos poderá oferecer». Pode visitar: www.melanniealves.tumblr.com.

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