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Cinzas

FANFICS

Não há necessidade de imortalizar o eterno (Lally Y K).

A lareira crepitava, espalhando pela divisão um aroma a madeira queimada. Poderia ser um odor agradável, reconfortante, acolhedor. No entanto, Ginny estava com os olhos postos nas chamas, a poucos centímetros do fogo, alheia a qualquer som ou cheiro, vazia de sentimentos afáveis. Nas mãos firmes, segurava um caderno de capa preta, parcialmente destruído e manchado.

Sabes que sou o único em quem podes confiar.

Distraídamente, acariciou a lombada, com o pensamento longe do objectivo que a trouxera àquela sala parcamente iluminada, tão fria e abafada ao mesmo tempo. Os seus olhos queixavam-se da imobilidade forçada, mas ela ainda não estava pronta para os mover. Pestanejar seria o acordar para a realidade, seria o sino que a despertaria para o que tinha de fazer. Seria o fim de uma era.

Ninguém te compreende melhor do que eu.

Já não era a menininha assustada que quase entregara a sua vida a um diário. Já não era a criança tímida que preferia confiar em alguém que não via do que naqueles que a rodeavam. Já não era a garotinha ingénua que acreditava nas palavras que diziam tudo o que ela queria ler.

Não tenhas medo, pequena Ginny.

Crescera, deixara para trás as fantasias infantis e os medos ridículos que tinha aos onze anos. Quase se poderia dizer que era, agora, uma mulher – tinha sobrevivido a inúmeras batalhas de uma guerra fomentada por um louco, tinha lutado para proteger aqueles que amava, tinha cortado as amarras que a prendiam a um fantasma do passado.

Eu estarei sempre contigo.

Não, nem todas as amarras tinham sido destruídas. Subsistia, ainda, um vínculo físico, um simples caderno de capa preta, manchada e estragada, um diário onde ela e Tom tinham depositado as suas almas, para que elas se fundissem numa só.

Nunca te deixarei sozinha.

Um mero caderno preto que estava nas suas mãos. Um mero testemunho da sua fraqueza aproximando-se rapidamente das chamas. Uma última prova da sua ligação a Tom Riddle atirada para a lareira.

Serás sempre minha, Ginny, mesmo quando pensares que não.

O cheiro a papel a arder queimou-lhe as narinas. As chamas levemente azuladas feriram-lhe os olhos. O calor redobrado mordeu-lhe as pontas dos dedos. Contudo, ela não vacilou; não recuaria até a sua tarefa estar concluída. Até tudo não passar de cinzas.

Nunca conseguirás fugir de mim.

Ela não iria fugir mais. Iria lutar até ao fim, até tudo não passar de cinzas. Cinzas frágeis e dispersas, cinzas de um passado tenebroso, cinzas de um pesadelo disfarçado de sonho, cinzas invisíveis e distantes. Cinzas sempre presentes na sua memória, exclusivamente na sua memória, para sempre.

Ginevra.

O último sussurro de Tom fora quase um suspiro, consumido no instante em que as chamas se extinguiram, em que o último elo se desfez, em que o mundo esqueceu a história de Tom e Ginny.

Tudo não passava de cinzas, para sempre e apenas para ela.

por Maria João Pinto (12º C)

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