A jovem e magnífica actriz portuguesa, Ana Moreira, disse recentemente num jornal, que o “cinema português é muito bom”. Na minha opinião, há um pouco de tudo, como em todas as outras cinematografias mundiais: o bom, o mau e o mediano. O problema é que o público português continua a manter uma relação distante e preconceituosa com o cinema nacional. O cinema francês ou espanhol é muito acarinhado pelo público, e alguns filmes desses países conseguem ter mais êxitos de bilheteira do que os “blockbusters” de Hollywood. Em Portugal, este fenómeno raramente acontece – o último caso terá sido o filme “Amália”, com perto de 200 mil espectadores. Há quem critique o cinema português de estar encalhado entre o género excessivamente comercial e o género de autor, alternativo, puro e duro. Há quem diga que falta ao cinema nacional um Pedro Almodóvar ou um François Ozon, realizadores que fazem, nos seus respectivos países, a ponte entre o cinema de cariz mais ensaístico e o popular, sem comprometer a qualidade do produto final.
O último filme português que vi ao qual se aplica a classificação de “muito bom” de que falava a actriz Ana Moreira foi “Entre os Dedos”, de Tiago Guedes e Frederico Serra. Foi projectado há dias no Pequeno Auditório do TMG. Depois do surpreendente filme “Coisa Ruim” (2006), em que os dois realizadores exploraram, com resultados muito positivos, o thriller de terror (género praticamente inexistente em Portugal), “Entre os Dedos” revelou-se uma segunda surpresa. Não apenas pela mudança de registo – uma espécie de ficção dramática filmada quase como um documentário -, mas pela segurança na realização e arrojo estético manifestados: filmado numa esplendorosa fotografia a preto e branco, com a câmara ao ombro e enquadramentos titubeantes (à John Cassavetes), um argumento coeso (do jornalista e escritor Rodrigo Guedes de Carvalho), uma banda sonora sublime (de Jorge Coelho, ex-Zen) e interpretações de uma fulminante contenção dramática, “Entre os Dedos” revelou-se um belíssimo testemunho do mais recente cinema português. Um cinema que vagueia por jogos de sombras, de penumbras e de melancolia imensa. Um cinema que faz, precisamente, a ponte, entre a vertente mais artística e a popular (como o filme “Alice”, de Marco Martins, tinha feito um ano antes).
“Entre os dedos” é um filme que é um olhar, sem contemplações, para os pequenos mas contundentes dramas do dia-a-dia de qualquer comum cidadão ou família: a chaga do desemprego que desencadeia o desmoronar de um matrimónio, a doença terminal de um jovem que odeia a mãe e que pergunta à enfermeira “como é que se morre?”, um antigo combatente do Ultramar amarrado às suas angústias passadas, uma filha sem vida, uma avó (passageira Eunice Muñoz) fantasmagórica. “Entre os Dedos” é sobre uma sociedade em deriva existencial, sobre homens e mulheres presos nos seus labirintos de sofrimento, sobre a desesperança de novos horizontes, sobre a vida e relações humanas que se escapam, precisamente, entre os dedos.
E por falar em bom cinema português, há que lembrar que no Vivacine está em exibição um filme português (coisa rara), com a película “A Corte do Norte”, do realizador João Botelho, adaptado de um romance da escritora Augustina Bessa-Luís. E adivinhem quem é a actriz protagonista deste filme: Ana Moreira!
Por: Victor Afonso
