Eusébio Almeida percorreu o país de Norte a Sul. Guardou tudo – em arquivos e na memória – e depois escreveu um livro. Com 90 anos, prepara-se para publicar o segundo. Às “Memórias e autobiografia de um nonagenário” segue-se uma “Inédita e miscelânea história do trajecto da Humanidade em Versos”, actualmente em fase de revisão após dois anos de trabalho. Escrever é a sua principal ocupação, ao ponto de lhe afectar vista apesar da lupa que tem na secretária.
Neste último volume são 4.880 versos que começam por narrar a evolução do Homem, tendo a Bíblia como fonte. Depois, contam-se as voltas do mundo, até se chegar a Portugal. Factos históricos que, por várias vezes, se misturam com a vida de Eusébio Almeida, natural do Cadafaz (Celorico da Beira). «Há coisas que eu relato que a história vulgar, a dos livros, não tem», contextualiza. Nos primeiros capítulos – mais de uma centena – fala-se sobre a torre de Babel, o Código de Hamurabi, a fuga dos hebreus do Egipto, a Atlântida, a Grécia e a China. Recordam-se os romanos, os árabes, a formação e o crescimento de Portugal. No final do século XIV, lá está a Batalha de Trancoso, onde os castelhanos ficaram “a pão e laranjas”. A rimar, o autor refere também a descoberta do Brasil por Pedro Álvares Cabral, que «deparou, ao longe, com algo cinzento/ era o morro pão de açúcar sem farinha e sem fermento/ Avançou mais umas milhas, pôs o pé em solo duro/ ergueu padrão cruzeiro, e chamou-lhe Porto Seguro».
O nonagenário evoca ainda o profeta Bandarra e o seu trisavô, que esteve no Mindelo aquando do desembarque das forças de D. Pedro IV. «Foi de tal ordem o serviço que ele prestou ao rei, que quando assinaram a paz diziam por aqui que trouxe tantas libras que as media às rasas», recorda. No entanto, Eusébio Almeida admite que «isso deve ser mentira», apesar de algumas circunstâncias curiosas: «Nessa altura, o meu trisavô tornou-se dono de mais de metade das terras de Souto Moninho», refere. Alguns anos depois, no tempo de D. Maria II, um homem do Cadafaz matou a vizinha e foi condenado à morte. A sua esposa foi descalça a Lisboa pedir o perdão da rainha, que a recebeu após muito insistir às portas do palácio. D. Maria II concedeu-lho, mas só depois soube que tinha livrado da morte um assassino. Quem conta a história, acrescenta também que, no dia seguinte, a pena de morte foi abolida em Portugal – na realidade, D. Maria II aboliu-a para crimes políticos, foi o seu filho D. Luís quem inclui os crimes civis.
Uma vara de marmeleiro no PREC
Quase um século depois, Eugénio Almeida lembra um «estrondoso e descomunal zumbido» sobre as Beiras. «Na Segunda Guerra Mundial, aquando da invasão do Norte de África, os americanos levantaram voo dos Açores e passaram sobre a região. Isso lembro-me eu. Era de noite e as pessoas saíram todas para a rua. Gritava-se e não se percebia nada do que se gritava. Só pelos gestos é que se entendiam as pessoas», descreve. Algumas das memórias que relata com maior vivacidade resultam do 25 de Abril e não o deixam indiferente: «Aí é que eu tomei partido. Não gostei da forma como se procedeu. Esperava uma remodelação da vida política, mas não como eles a fizeram, porque levaram isto a um extremo e fizeram para aí patifarias que eu testemunhei e vivi. Até ajudei a resolver algumas», acrescenta. No livro conta como viveu o Período de Revolução em Curso (PREC) no Porto. «Foi à “verdoada”», recorda. Desses tempos agitados ainda guarda uma vara de marmeleiro, que está atrás da porta do seu quarto no lar da Rapa, onde agora reside: «É histórico! “Apalpou” muitas costelas naquela Avenida dos Aliados», sublinha. Do Verão do golçalvismo lembra os conflitos na repartição pública onde trabalhava e as reuniões em que participou, algumas na casa da mãe de Francisco Sá Carneiro. Incidentes a que se juntam a queda do helicóptero onde seguia o brigadeiro Pires Veloso, então comandante da Região Militar do Norte, cujo pai, natural de Figueiró da Serra (Gouveia) era seu vizinho: «Tentaram matar o Pires Veloso com bombas e com a queda do helicóptero», sentencia. O brilho nos olhos intensifica-se quando fala do 25 de Novembro, o dia em que, para Eusébio Almeida, se «repôs a legalidade das coisas».
Igor de Sousa Costa