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Cigarro, o democrata

Já passaram vinte e tal anos desde que deixei de fumar radicalmente, quando senti que me estava suicidar lentamente e a perder faculdades físicas que me faziam falta para trabalhar.

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Podem dizer-me que deixei de fumar porque não tinha o vício. Enganam-se por completo, gostava de fumar e apreciar o tabaco, de saber fumar um cigarro num momento e local exacto. Pois sempre tive a noção de que incomodava ou lesava quem estivesse perto de mim.

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Foi, talvez, a ver o meu pai deliciar-se à lareira, nos filmes de Oeste americano ou nos policiais (…). Confesso que foi com estes exemplos que dei, já na adolescência, as primeiras fumadas. Não sabia os malefícios em que me estava a meter, era jovem e (…) não dei importância ou desconhecia o nome do papel com que o meu pai fazia os cigarros que tão adequado é aos fumadores compulsivos de agora. Para mim, o cigarro foi muitas vezes um companheiro de meditação para resolver problemas técnicos ou interpretar um esquema eléctrico. Também fumava quando tinha que trabalhar durante a noite e já não tinha alimentos de reserva. Engolia o fumo para encher o estômago. Mas tive um cálculo renal e o médico aconselhou-me a beber água durante a noite. Avisou-me que seria operado se não o conseguisse expelir. Como é difícil beber água sem sede, comecei a mascar tabaco para me obrigar a bebê-la.

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O que vejo hoje: mulheres jovens, grávidas a fumar, mulheres que perdem toda a sua beleza e graciosidade feminina a imitar a estupidez dos homens. Todas elas ainda não se deram conta (…) da triste figura que fazem, numa pastelaria ou café, a expelirem o fumo, não sabendo desviá-lo das pessoas.

Mas, para minha satisfação, já saiu uma lei sobre o tabaco, que parece insignificante, mas é, para mim, das mais importantes por isto:

1 – Devia chamar a atenção que, em estabelecimentos de restauração onde haja alimentos expostos, mesmo estando em vitrinas de balcão, não são suficientemente estanques.

2 – Chama a atenção, democraticamente, que o vizinho está a comer ou a beber e não deve ser incomodado pelo cigarro do parceiro ao lado.

António Nascimento, Guarda

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