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Cidade Educadora, Escola Cidadã e Cidadania

Crónica Política

A propósito do acolhimento por parte do município da Guarda do Congresso da Rede Territorial Portuguesa das Cidades Educadoras, no final de maio de 2017, importa esclarecer muita da propaganda que vai sendo servida. O primeiro Congresso Internacional das Cidades Educadoras realizou-se em Barcelona, no início da década de 90, do século passado. Esse Congresso aprovou uma Carta de princípios básicos que caracterizam uma cidade que educa. Mas foi em Porto Alegre, Brasil, onde nasceu o “Fórum Social Mundial”, que se deu início, em 2001, ao “Movimento das Cidades Educadoras”. O principal objetivo deste movimento é educar para a cidadania. Entendendo-se como cidadania a consciência de direitos e deveres e o exercício da democracia, que se manifesta na mobilização da sociedade para a conquista de novos direitos e na participação direta da população na gestão da vida pública.

Ora é precisamente tudo o que a nossa democracia menos tem: possibilidade dos cidadãos participarem ativamente na gestão da vida pública. Veja-se o cada vez maior alheamento dos cidadãos da “coisa pública”. Não há cidadania sem democracia participativa, superando os estreitos limites da democracia puramente representativa, com transparência de tudo o que é público. O “Manifesto das Cidades Educadoras”, aprovado em Barcelona em 1990 e revisto em Bolonha em 1994, afirma que «a satisfação das necessidades das crianças e dos jovens, no âmbito das competências do município, pressupõe uma oferta de espaços, equipamentos e serviços adequados ao desenvolvimento social, moral e cultural, a serem partilhados com outras gerações».

Veja-se o caso da nossa cidade! Bairros degradados, não existência de espaços verdes e amplos, degradação de espaços públicos, recuperação de outros espaços sem respeitar a memória coletiva e pouco ou nada atrativos, nenhuma mobilidade entre bairros, péssima ligação com as freguesias maioritariamente habitadas por idosos, ruas que não educam, passeios que são locais de alivio das necessidades fisiológicas de animais irracionais e a quem os donos, ditos racionais, nada se importam com a saúde pública, nenhuma preocupação com os direitos dos cidadãos com reduzida, ou nenhuma mobilidade. Não basta pertencer-se a uma rede dita de cidades educadoras, seja lá isso o que os mandantes quiserem que seja. Há muita mais vida para além das formulações teóricas, por mais importantes que sejam.

Todos os habitantes da cidade têm o direito de refletir e participar na criação de programas educativos e culturais, e a dispor dos instrumentos necessários que lhes permitam descobrir um projeto educativo, na estrutura e na gestão da sua cidade, nos valores que esta fomenta, na qualidade de vida que oferece, no interesse que manifeste por eles e na forma de os escutar. Assim surge o conceito de Escola Cidadã. A escola deixa de ser um lugar abstrato para inserir-se definitivamente na vida da cidade e ganhar, com isso, nova vida. Não se pode falar de Escola Cidadã sem compreendê-la como escola participativa, escola apropriada pela população. Essa apropriação dá-se através de mecanismos que determinem órgãos democraticamente eleitos e representativos de toda a comunidade. A cidade educadora rompe com o controle político das elites locais e com as formas burocráticas, corruptas e clientelistas de governar e estabelece uma nova esfera pública de decisão não-estatal, como o “orçamento participativo” e a “gestão democrática das escolas”. E não há segredo nisso. Basta vontade política, apoiada numa ética que condene o segredo burocrático e estabeleça a transparência, que incorpore o conflito com práticas de negociação e que publicite a informação. Para essa conceção da educação o papel da escola é formar cidadãos. Numa perspetiva transformadora a escola educa para ouvir e respeitar as diferenças, a diversidade que compõe a cidade e que se constitui na sua grande riqueza. Uma Cidade Educadora é muito mais do que abrir centros educativos, fechar escolas e tomar posse administrativa de funcionários.

Por: Jorge Noutel

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