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Cidadania

Editorial

1. As eleições em França, como previsto, foram ganhas pelo socialista François Hollande, ainda que com uma diferença de apenas três pontos percentuais. Derrotar Sarkozy e as suas políticas uniu a esquerda e deitou por terra os desejos de renovação de mandato do presidente. Mais do que apoiar Hollande, os franceses quiseram derrotar as políticas de contenção, de controlo do défice, dos sacrifícios. Na verdade, ninguém sabe que França teremos com Hollande e até que ponto as suas promessas, algumas populistas, serão mesmo para concretizar e como poderão ser concretizadas. Mas sabe-se que Hollande se oporá à continuação do esmagamento da economia em nome do cumprimento das regras apertadas das contas públicas, defenderá o crescimento e não aceitará a manutenção de um diretório Paris-Berlim (se bem que, após ser eleito, parece já ter esquecido o tom critico para com Berlim). Ou seja, com a queda de Sarkozy a política europeia voltará a ser centrada nas instituições da União e não no domínio dos fortes. Se mais razões não houvesse esta era uma boa notícia.

No demais, a “França” de que falou Hollande no discurso não existe. A suposta superioridade económica pereceu há muito. A superioridade cultural é um mito. O estado social que defende tem os dias contados. As reformas que preconiza geram muitas dúvidas e nenhuma certeza. O combate ao desemprego terá de ser feito através de medidas que vão muito para além da contratação de uns milhares de professores não se sabe para quê. A descida da idade da reforma é uma ingenuidade impraticável ou uma mentira indecorosa. Enfim…

A primeira medida anunciada após a eleição por Hollande, demagógica, mas representativa das intenções, será descer o seu próprio salário em 30 por cento (e aos ministros). Ou seja, sabe que para distribuir por um lado, terá de poupar por outro. Mas o mais importante será saber se com Hollande haverá mesmo outro caminho.

2. Mas a principal razão porque aqui trago os resultados eleitorais franceses diz respeito não a quem foi eleito e a quem perdeu – que já toda a gente sabe -, mas a quem votou ou deixou de votar.

Na segunda volta das eleições presidenciais francesas votaram mais de 80 por cento dos eleitores inscritos. E dos franceses e estrangeiros com direito de voto apenas 19,66 por cento não o exerceram. E é verdadeiramente aqui que a França nos dá uma lição impressionante – é por isso que os franceses têm tanta soberba e têm a mania da superioridade moral…

Recorde-se que em Portugal a taxa de abstenção nas últimas eleições presidenciais foi de 53,48 por cento e de 41,93 por cento nas últimas eleições legislativas (2011). E o registo menos mau em Portugal desde 1999 foi o de 35 por cento de abstenção nas autárquicas de 2005.

Em França, as pessoas vão votar porque sabem que é uma obrigação cívica, que é um direito e é um valor de cidadania de que não abdicam, de que não querem abdicar. Há cinco anos, a abstenção foi também de cerca de 20 por cento e o eleito foi Sarkozy. E há 10 anos, Chirac foi eleito numas eleições em mais de 80 por cento dos franceses votaram (a abstenção ficou abaixo dos 20 por cento). É o normal. Em Portugal as pessoas demitem-se dessa função e não votam. Nas eleições, entre nós, os analistas e comentadores televisivos andam sempre à procura de responsáveis por elevadas taxas de abstenção – dizem que é culpa dos partidos, dos políticos, do sistema, disto e daquilo… Não! A culpa é dos portugueses! Dos que se demitem da sua responsabilidade enquanto cidadãos. Dos que ficam no café ou em casa a pregar contra os partidos e contra os políticos. O problema da abstenção em Portugal é da falta de civismo e educação dos portugueses. Há sempre muita gente para reclamar por tudo e por nada, mas há poucos cidadãos. Votar é um direito e um dever, e quem não vota é o primeiro responsável pela falta de exigência e por termos maus políticos e más politicas.

Luis Baptista-Martins

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