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Centro Histórico – Desertificação e passividade Vs. Massificação e periferia

interior desCLASSIFICADO

Neste país, ainda se prefere o ” novo” ao “usado”, em carros e em casas; como se o “usado” tivesse vírus entranhados nas paredes. Neste país, ainda se prefere despender horas no trânsito para se poder ter a dita “qualidade” de viver num apartamento com elevador, vídeo-porteiro, banheira de hidromassagens, estacionamento, estores eléctricos e aspiração central. Isto, é para a maioria da população a “qualidade” do habitar.

A casa da domótica ganha terreno, enquanto o nosso corpo perde músculos.

Urge modificar a ideia generalizada, de que viver no centro, ou é uma exigência de uma certa classe média-alta “iluminada”, ou de que é para a classe baixa, com rendas baixíssimas e sem condições de habitabilidade.

Não falo em Lisboa, onde viver no centro é já uma exigência de muitos, jovens essencialmente. Não falo em Guimarães, Évora e Angra do Heroísmo, que têm centros históricos classificados pela Unesco e polulam de vida. Falo do resto do país, falo do Porto que tem um centro riquíssimo a cair de abandonado, e falo essencialmente do centro histórico da Guarda, que me é mais próximo.

Veja-se o caso exemplar da recuperação do centro histórico de Guimarães, de dimensões semelhantes ao da Guarda, mas cuja comparação só pode ser ilusão.

Fruto de uma vontade política, e conseguida através de uma eficiente intervenção arquitectónica, o centro histórico de Guimarães é o exemplo que eu gostava de ver seguido na Guarda. Eu gostava que um dia, uma pessoa que tivesse visitado a Guarda, a lembrasse não como uma cidade feia e descaracterizada, onde foi ao “shopping ” da esquina , mas que a lembrasse como uma cidade com um centro histórico cuidado, cheio de vida e com moradores. Gostava de ver roupa estendida nas janelas, sardinheiras nas varandas, cafés onde os vizinhos se encontram, mercearias de rua, caixilharias de madeira, reclamos publicitários e sinalética contidos e bem desenhados, mobiliário urbano não “standardizado” e tipificado.

Gostava de ver o pormenor do desenho e a eficácia do desempenho.

Gostava também, que apesar de tudo, não se caísse na tentação do “rústico” e do “típico”, os piores inimigo da reconstrução. Em todas as épocas, a arquitectura se fez por justaposição , e é perfeitamente legítimo a integração de novas linguagens arquitectónicas em harmoniosa convivência com o pré-existente. Gostava que as entidades públicas fossem a primeiras a dar o exemplo e a requalificar o imenso Património que têm ( Estado, Câmara, JAE, Santa Casa da Misericórdia, Igreja, etc..) e a criar sistemas de incentivos à fixação de jovens no centro da cidade. Caso não o façamos, a par da desertificação do centro histórico e da perda cultural imensa que isso representa, temos um problema ainda maior de massificação das periferias e do crescimento desregulado desses bocados de cidade inertes e desinteressantes, que aos poucos começarão a “exigir” escolas, centros de saúde, acessibilidades melhores, supermercados e transportes. Haverá maior qualidade de vida, do que poder ir a pé para o trabalho e a pôr os filhos à escola e usufruir diariamente desse imenso luxo que é poder prescindir do automóvel?

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