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Centro comercial passa na Assembleia Municipal apesar da falta de informação

Deputados da oposição estranharam ausência de documentos sobre o projecto e os termos do negócio entre a Câmara e os holandeses da TCN

Muitas dúvidas, várias reservas e até suspeições marcaram, terça-feira, a aprovação na Assembleia Municipal (AM) da Guarda da proposta de recuperação e reconversão da zona do mercado municipal e da central de camionagem num centro comercial. Apesar de todas as bancadas terem admitido que faltou informação sobre o projecto e os termos do negócio entre a Câmara e os holandeses da TCN, representada em Portugal pela Tramcrone S.A., o assunto passou graças à maioria socialista, à abstenção dos social-democratas e os votos contra do PP, CDU e Bloco de Esquerda.

Em cima da mesa estava o estudo preliminar da TCN, que pretende investir cerca de 30 milhões de euros num projecto da autoria de Capinha Lopes, arquitecto que idealizou, entre outros, o “Freeport” de Alcochete. O empreendimento contempla 50 lojas, um hipermercado, salas de cinema, área de restauração e de habitação, bem como mil lugares de estacionamento. O mercado municipal ficará integrado no edifício, enquanto a central de camionagem vai ser transformada num inter-modal com cais de embarque. Tudo em cinco pisos. Os investidores comprometem-se ainda a construir um parque de estacionamento de autocarros junto à Viceg. Duas soluções que agradaram ao executivo, sobretudo as contrapartidas conseguidas. A novidade deste pré-acordo reside na constituição de uma sociedade de capitais mistos para gerir o espaço. A autarquia assume 10 por cento de um capital social de 50 mil euros em troca do terreno, avaliado em 4 milhões de euros. Em contrapartida, ganhará um mercado, central de camionagem e uma grande área requalificada, que a construtora avalia em 6 milhões de euros. Números que não convenceram Manuel Rodrigues, líder da bancada do PSD. Após uma apresentação sumária do projecto pelo presidente da Câmara, o advogado começou por esclarecer que não estava em causa a ideia, «mas os procedimentos».

E exemplificou, estranhando que os investidores consultados tenham como data-limite para apresentar propostas a data de 24 de Fevereiro. Ou seja, três dias depois da Assembleia Municipal ter votado o acordo com a TCN. Foi um «lapso», corrigiu de imediato Joaquim Valente. Mas Manuel Rodrigues prosseguiu com as dúvidas e questionou a «ligeireza» com que o património municipal está, na sua opinião, a ser tratado neste negócio. «Quem compra um terreno para construir uma casa noutro ponto da Guarda paga mais por metro quadrado do que a TCN no mercado municipal», denunciou, desafiando a autarquia a lançar uma OPV (Oferta Pública de Venda) do espaço. Como se não bastasse, o deputado desvalorizou a participação de 10 por cento da Câmara na futura sociedade gestora do “shopping”, sublinhando que os detentores dos restantes 90 por cento até podem definir o seu fim «sem pedir a opinião do município». Por tudo isto, Manuel Rodrigues acha que a autarquia «tem e pode fazer melhor negócio» ou, em contrapartida, provar que esgotou todas as alternativas. «Contudo, a informação disponível não nos permite concluir isso, nem é suficiente para esclarecer as nossas dúvidas», reconheceu, antes de dizer que o PSD não pode votar a favor da ideia e contra o procedimento, pelo que se absteve.

População está «sedenta»

Os social-democratas insistiram com Crespo de Carvalho, a quem não agradou a «urgência» da questão e a ligação ao Freeport. «Mais vale deixar o projecto em “banho-maria” e voltar a ele em melhores dias, após muita ponderação», sugeriu o deputado, que procurou e não encontrou o relatório de avaliação dos terrenos. Por outro lado, defendeu que a AM não devia aprovar o protocolo em causa por se desconhecer «se a solução urbanística proposta vai ser aprovada pelas entidades competentes». Igualmente contra esteve Pereira da Silva. O deputado do CDS-PP invocou a falta de informação e, desconfiado, não quis dar «um voto no escuro» ao executivo de Joaquim Valente. «Não sei religiosamente nada do projecto com a documentação que a Câmara me enviou», lamentou, sugerindo ao presidente que retirasse o assunto da agenda. O mesmo propôs Honorato Robalo, da CDU, enquanto Jorge Noutel (BE) admitiu que a obra «faz falta» à Guarda. Tanto quanto a informação aos deputados. Já Rebelo de Oliveira (PSD) avançou com a possibilidade de uma AM extraordinária para debater o assunto. Contudo, a proposta foi chumbada liminarmente pela maioria socialista, que também achou terem faltado «alguns elementos formais» ao processo. Um pormenor para António Saraiva, que se disse «abismado» com o que ouviu na sessão.

«O melhor é ficarmos como uma aldeia e deixar os centros comerciais para as cidades vizinhas, a que acorrem muitos guardenses», disse o líder da bancada socialista, acrescentando que a população está «sedenta» de equipamentos do género na Guarda. E não regateou elogios ao projecto e às suas valências. «O mercado municipal vai beneficiar das sinergias do “shopping”. Isso é uma ideia pioneira em Portugal, mas não na Europa», garantiu, acrescentando que o local em causa é «o melhor sítio para não prejudicar o comércio tradicional». Para além do mais, com a proposta da TCN a Câmara tem um mercado municipal e central de camionagem requalificados «a custo zero». Por sua vez, Joaquim Valente foi breve e desvalorizou as insinuações. Mas acusou o PSD de «não querer votar a favor nem contra» a proposta, esclarecendo que o que está em causa é o estudo-prévio do empreendimento. «O projecto é do interesse da cidade», reiterou, garantindo que a autarquia vai estar na sociedade para acompanhar o seu desenvolvimento. «Com esta proposta não há alteração do uso definido no PDM para o local, mas se o projecto da TCN não for aprovado – o que não acredito –, nada mudará no local e lá continuaremos a ter dois equipamentos degradados e degradantes», considerou o presidente, que se disse tranquilo relativamente a todos os procedimentos seguidos pela Câmara. «Temos pareceres jurídicos», sublinhou, anunciando que, provavelmente, o mercado municipal irá funcionar junto à Viceg, «ao fundo do bairro da Sra. dos Remédios» enquanto durarem as obras do centro comercial.

Luis Martins

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