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Centralização versus descentralização

Pois, Pois

“Não há modernização enquanto não houver descentralização” (O Interior, 7/10/03). Estas palavras são de Alberto João Jardim e foram proferidas a semana passada na Covilhã. Nada que já não tivéssemos ouvido pelo menos um milhão de vezes. Há mais de 150 anos que as elites nacionais se referem à descentralização como uma espécie de remédio para os grandes males da pátria. E, no entanto, a centralização persiste para mal dos nossos pecados. Convinha tentar perceber porquê.

O século XIX ocupou-se a debater, com minúcia, as desgraças da centralização. Para a esquerda, o culpado teria sido o absolutismo monárquico; para a direita, Mouzinho da Silveira. Como relembra Maria Filomena Mónica, ambos se esqueciam que Portugal, um país formado à volta de um projecto militar, fora desde sempre governado pelo rei. A tradição administrativa nacional é de tutela, não de autonomia. E enquanto os intelectuais se entretêm a fazer o diagnóstico do mal, o poder mantém-se silenciosamente concentrado em Lisboa. Na Monarquia ainda se criaram dois pacotes de descentralização mas sem quaisquer efeitos. Durante a Primeira República a centralização prosseguiu e com Salazar atingiu o seu apogeu. O pós-25 de Abril herdou um Estado centralizado, omnipotente e arrogante. E é com este Estado que ainda hoje vivemos. Ainda por cima, o poder central tenta compensar a pequenez internacional de Lisboa com uma concentração irracional de serviços. O país sai todo a perder, incluindo Lisboa que já está a rebentar pelas costuras.

Neste contexto, o governo apresentou recentemente mais um “pacote de descentralização”. Pretende-se com a criação de comunidades urbanas ou áreas metropolitanas (a designação depende do número de concelhos contíguos associados e da sua população) transferir serviços e recursos da administração central para estas novas entidades. Mas o governo revelou originalidade neste processo. Não deu critérios de associação e basicamente disse aos municípios: agora, entendam-se. Só que estes não parecem entender-se.

Os autarcas da região constituíram um grupo de trabalho e nomearam, há mais de meio ano, uma comissão incumbida de encomendar um estudo sobre o assunto. Pelos vistos, a elaboração do estudo ainda nem sequer foi adjudicada.

Suspeito que este vai ser mais um “pacote” atirado para o caixote do lixo da História. O problema é que não se trata apenas de má vontade do poder central de Lisboa. No fundo, os municípios não estão muito interessados na descentralização. Há muito que se habituaram à rotina da pequena gestão – recolha de lixo, iluminação pública, obras, mercados – e não estão para grandes maçadas. Sempre que lhes falam em mais competências nas áreas da educação ou saúde torcem logo o nariz. Não pode ser, não temos recursos financeiros e humanos, dizem eles quase apavorados. E de facto não têm. Mas eu só os vejo pedir mais dinheiro. Não me lembro de algum dia terem pedido quadros qualificados da administração central. Eu compreendo. As autarquias há muito que se transformaram em agências de emprego para os da terra e era o que mais faltava ir buscar gente de fora.

É por estas e por outras que eu não tenho grandes ilusões: a centralização está aí para ficar e durar.

Por: José Carlos Alexandre

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