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Cedo piaste!

A história repete-se anualmente: Os incêndios e os incendiários. Este flagelo estival que fustiga o sul da Europa é um cartaz turístico muito pouco recomendável. Em Portugal é montado anualmente um circo mediático à volta desta desgraça que só tem paralelismo com a ação de abutres sobre a carne putrefacta. O problema foi que este ano estava a ser uma deceção. Então, há cerca de quinze dias, os media aparentemente tristes com a falta de ação, fizeram questão de espevitar a coisa. Para tal, geraram notícias de que este ano estava a ser excecionalmente calmo em termos de incêndios. Estas foram confirmadas por entrevistas a entidades com responsabilidades na área. Deram assim o tom e, com enorme irritação e sem surpresa minha, começou o espetáculo.

Não é necessário ser nenhum Freud para perceber a mente de um incendiário. A grande maioria adora a parafernália, a pantomina, a loucura das sirenes, das mangueiras, dos helicópteros, das câmaras de televisão e dos carros de exteriores e, acima de tudo, das, para si, belas e enormes labaredas que consomem tudo. As dramáticas aberturas dos telejornais são o corolário de um trabalho, por si, muito bem feito e quanto mais prolongado no tempo, maior o grau de satisfação do criminoso.

Apesar do nexo de causalidade ser algo difícil de estabelecer, é, no mínimo, estranho que tenhamos passado de um ano excecionalmente calmo, com uma área ardida que era, até há quinze dias, de 10% da média habitual, para uma situação que mobiliza, à data a que escrevo, 2.500 operacionais em seis incêndios graves ativos. Não é a primeira vez que «anos execionalmente calmos» se transformam, por magia dos noticiários, em “annus horribilis”.

As razões para a gravidade dos incêndios podem ser decalcadas de anos anteriores: falta de limpeza das matas, dificuldade nos acessos ao combate, elevadas temperaturas com baixos graus de humidade relativa, falta de meios, descoordenação no terreno, etc. Mas será que o circo dos “media” não será mais um fator potenciador?

Há, por isso, uma medida que me parece que deveria ser testada e que poderia, eventualmente, vir a reduzir este flagelo: A proibição de transmissão de notícias de incêndios florestais, e das desgraças associadas aos mesmos, em todos os meios de comunicação social! Sei que parece radical, que poderá vir a entrar nos bolsos dos “balsemões”, mas incêndios que não sejam notícia poderão vir a ser um fator dissuasor da continuação da ação dos incendiários. Sabemos que basta um louco para colocar uma determinada região a “ferro e fogo”, que este tipo de incendiário em série é aquele que mais gosta de ver o seu “trabalho” reconhecido, por isso é responsabilidade dos decisores reduzir ao máximo todos os fatores que potencialmente são responsáveis pela sua ação.

Haja coragem para legislar e proibir durante, por exemplo, cinco anos este tipo de notícias em TODOS os meios de comunicação social e depois façamos as contas da área ardida anual, entrando em linha de conta com todos os outros fatores e comparando com os registos de décadas de incêndios, e vejamos se, sim ou não, a atuação de televisões, rádios e jornais, com a sobrevalorização e priorização das “notícias-fogo” serão, elas próprias potencialmente incendiárias.

Ficaríamos, com toda a certeza, sem as horas de diretos com chamas, pânico e choro e com uma “silly season” ainda mais “silly”, mas isso seria um mal desejável, onde apenas imagens de bikinis, tangas e políticos esturrados a banhos teriam lugar.

Por: José Carlos Lopes

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