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Casegas teve o fogo à porta de casa

População viveu dois dias de verdadeiro inferno

Na memória dos habitantes de Casegas ainda estava o incêndio de há 14 anos. Mas ao fim da tarde da passada quinta-feira, quando as chamas já assomavam numa zona muito próxima do casario, a população temia o pior e recordou o inferno vivido naquele Verão. Alarmados, os populares pareciam adivinhar a noite negra que acabaram por viver. «Esta noite não vamos dormir», previa Gonçalo Araújo, um jovem de 22 anos.

O inferno começou a ser vivido por volta das 18 horas. Apática, a população foi assistindo à destruição de alguns campos agrícolas mais próximos das habitações. No local, encontrava-se apenas uma viatura com seis bombeiros de Penamacor, que não tiveram mãos a medir à medida que se foi desenhando o pior cenário possível à volta de Casegas. Por essa altura, Purificação Faustino temia o pior. As chamas aproximavam-se a passos largos da sua habitação, um pouco afastada do restante aglomerado. A população uniu-se e, de imediato, acorreu ao local, munidos de pás e enxadas, para ajudar os bombeiros. Uma coluna de voluntários de Évora chegou por volta das 21 horas e também não teve mãos a medir. Pouco depois, a povoação estava praticamente cercada pelas chamas. «Isto é o inferno», gritavam os populares. Em perigo estiveram dezenas de habitações e o lar de idosos. Uma das residentes não ganhou para o susto quando as chamas ameaçaram destruir a sua casa e teve que ser transportada para o hospital. Muitos dos “soldados da paz” ali presentes já vinham de outros fogos no país e o cansaço, a par da manifesta insuficiência de meios, dificultaram em muito o seu trabalho.

Por volta das quatro da manhã, o fogo ganhou novos contornos, tendo acabado por ser controlado já de madrugada. Porém, na sexta-feira, o cenário descontrolou-se uma vez mais. O calor excessivo e o vento que se fez sentir contribuiu para o agravamento da situação. A estrada de acesso à povoação, pela aldeia do Ourondo, esteve cortada e as linhas telefónicas não resistiram às chamas. As acessibilidades dificultaram as operações dos bombeiros e da Protecção Civil. Chegou a ser posta a hipótese de colocar no terreno uma máquina vinda de Castelo Branco, mas não cabia na ponte de acesso a Casegas. Nessa tarde, chegou uma coluna de bombeiros de Sintra. No entanto, as chamas adquiriram uma dimensão imprevisível e, a dado momento, voluntários e popular tiveram inclusivamente de fugir. «Nunca tive tanto medo na vida», garante o jovem Gonçalo, que se encontrava a ajudar os “soldados da paz” nesse preciso momento, acrescentando que «já tinha presenciado outros incêndios e nunca tinha visto os bombeiros a fugir das chamas». Entretanto, a população juntou esforços para apoiar os voluntários no combate ao fogo, cedendo-lhes mantimentos e leite. A padaria ofereceu-lhes um lanche de 90 sandes, mas a onda de solidariedade não se ficou por aqui e foi mesmo necessário consolar vizinhos e amigos.

No final do dia, e depois de extinto o incêndio, a população fez as contas e concluiu ter perdido a quase totalidade dos campos de cultivo (rendimento de muitos dos residentes), tendo ainda ardido vários palheiros e quintais de habitações. Luís Pinto Pedro perdeu um rebanho com mais de 40 cabras, o seu principal sustento, uma mula e duas casas. «Quem pôs o fogo devia ser queimado vivo», atira. Quando ao seu futuro, diz apenas: «Agora é apertar o cinto! Anda uma pessoa a poupar e a trabalhar a vida inteira para depois arder tudo», lamenta-se. A revolta é agora a palavra de ordem em Casegas, sobretudo no que toca à actividade da Junta e da Câmara. «Não existia ninguém a indicar caminhos e a apoiar os bombeiros», acusa Gonçalo Araújo. «Os apoios vieram apenas de privados, cada um deu aquilo que pôde», garante. E se todos os habitantes de Casegas recordavam o pesadelo de há 14 anos, hoje ouve-se ali dizer que desta vez foi bem pior: «Nunca passámos por situação igual», garantem os residentes.

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