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Cartas de humor

observatório de ornitorrincos

É normal surgirem contendas diversas quando se mantém uma coluna humorística num jornal, para além das naturais interrogações “Mas isto é humor?”, “Chamas a isto uma coluna?” ou “Com que então um jornal?”. Uma delas é haver leitores que não encontram motivos de galhofa naquilo que se encontra escrito no Observatório de Ornitorrincos. A percentagem dessa ocorrência, já de si naturalmente elevada, aumenta consideravelmente quando os leitores são ou de esquerda ou responsáveis pela minha concepção. Entende-se assim que os meus pais, ao acumular as duas características, sejam os principais críticos deste espaço. Claro que, tendo sido durante largos anos responsáveis pela minha educação, não deixam de apreciar o meu trabalho, como se pode perceber por alguns elogios como “deixa-te de baboseiras estúpidas” e “vê se aprendes a escrever”.

A segunda dificuldade que se encontra, nomeadamente num jornal regional, é conseguir ter mais graça que os autarcas entrevistados em cada edição. No fundo, é como fazer textos humorísticos para o novo semanário Sol ou para o antigo Expresso. Há sempre um texto mais hilariante escrito por José António Saraiva. Nestas páginas é muitas vezes difícil competir com as figuras de estilo utilizadas por presidentes de junta, vereadores e presidentes de câmara.

Há uma quarta contrariedade (ou terceira, para aqueles que gostam de contar) que é a confiança que alguns leitores têm na verdade do que aqui está escrito, por mais disparates que apareçam – e nos últimos dois anos tenho-me esforçado para manter uma elevada e constante quantidade de palermices por 100 caracteres. A tese é conhecida e afirma que qualquer assunto publicado num jornal é verdadeiro, é sério e constitui informação relevante. Claro que isto vem de gente que há muitos anos não lê o Expresso ou o Correio da Manhã.

Dizem os manuais que a ironia, uma poderosa arma estilística muito usada quer por bons humoristas quer por mim, é o uso de uma expressão para significar o contrário do que está expresso. Por exemplo, a frase “Eu gosto deste governo” pode muito bem ser irónica ou então proferida por Jorge Coelho. Pode também fazer-se humor pelo absurdo ou pelo inesperado. O primeiro é o caso já referido e tantas vezes involuntário dos autarcas e suas obras. Um exemplo do segundo foi ver Petit levar porrada no jogo contra a Holanda. Hiperbolizar desmedidamente a realidade é mais um mecanismo que pode provocar riso. Se eu aqui escrever que sou um argumentista genial, candidato ao Pulitzer, com um clube de fãs maior que o Michael Jackson (em número e em idade) os leitores riem-se. Mas se eu revelar que o meu clube de fãs é integralmente composto de nórdicas em topless, não só os leitores choram de inveja como as leitoras acorrerão às embaixadas da Dinamarca e da Noruega para solicitar a nacionalidade.

Oscar Wilde escreveu no prefácio do Retrato de Dorian Gray que toda a Arte é inútil. (Mário Soares seguiria este hábito de Wilde. Não a de pensar que a Arte é inútil, mas a de escrever prefácios.) Comento isto porque esta coluna aqui publicada semanalmente é totalmente inútil, sem que por isso chegue a ser arte. E porque citar uma grande obra de um escritor listado por Harold Bloom dá ao leitor a impressão de que as minhas referências culturais não se limitam à wikipedia ou a formas de cultura popular. E mesmo nestas mantenho um interesse activo e transdisciplinar. Por exemplo, na série Morangos com Açúcar preocupam-me fundamentalmente questões relacionadas com Anatomia.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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