Joaquim (nome fictício) é gerente de uma pequena empresa que labora no ramo da construção civil. Embora pequena, a empresa emprega duas dezenas de trabalhadores e vinha, até há pouco, mesmo que com dificuldades, cumprindo as obrigações fiscais e pago atempadamente os salários e os descontos para a Segurança Social.
O ano de 2008 já tinha começado mal, com as despesas com o gasóleo a atingir valores nunca vistos, mas mais lá para o verão a coisa começou a piorar a sério. A crise do imobiliário, primeiro, e a da banca, depois, caíram-lhe em cima com força. Ninguém lhe comprava as casas já feitas e ninguém lhe encomendava novos trabalhos. A conta corrente caucionada que tinha no banco esgotou o saldo e o gerente pediu-lhe mais garantias: “e olhe que já tenho ordens para começar a liquidar estas contas”. Por voltas do pagamento do subsídio de Natal concluiu que não tinha trabalho para toda a gente e que iria ter de reduzir o pessoal. Não tardou a primeira visita da Inspecção do Trabalho. Viram tudo: capacetes, sinalização de segurança, mapas de férias, horários de trabalho. Apuraram depois retroactivos, com liquidação dos encargos sociais e, tudo somado, aplicaram-lhe uma coima de €18.000,00.
No mês seguinte, não melhorando os negócios, Joaquim não pagou os salários na altura prevista e deixou para trás o IVA e a Segurança Social. Foi então que chegou ao estaleiro a Inspecção do Ambiente. Viram os óleos, os pneus velhos, a grua encostada num canto a apodrecer. Não tardou outro auto. E outra coima, esta de €7.500,00. Entretanto regressou a Inspecção de Trabalho, agora por causa dos salários em atraso e, dias depois, já o adivinharam, nova coima. De seguida, e ainda estamos em Março de 2009, veio um fiscal das Finanças. Advertiu o Joaquim de que iria ser constituído arguido por abuso de confiança fiscal e que teria de responder em Tribunal se não pagasse rapidamente o IVA (mais juros e custas – e ainda viriam as coimas).
Entretanto, os trabalhadores da empresa já tinham começado a resolver os contratos com justa causa, por salários em atraso. É claro que primeiro tinham feito greve e chamado a TVI (que não veio – havia muito, pelo pais fora, onde ir primeiro). O banco começou a devolver cheques e a recusar os pagamentos por débito em conta. Já em Abril denunciou a conta-corrente caucionada e exigiu a liquidação “de todas as responsabilidades”. O Joaquim ainda foi a outro banco, tentar um empréstimo que lhe desse alguma margem de manobra, ao menos enquanto as coisas não melhorassem e não vendesse alguma coisa, ou chegasse algum trabalho novo, mas sem sucesso. Dias depois, foi notificado de que tinha sido decretado o arresto de todo o património da empresa e que não poderia vender nada. Diz-lhe o contabilista que não tem sequer direito a subsídio de desemprego.
O Joaquim aguarda uma carta de chamada para Angola, de um dos vários amigos que tem lá e já passaram pelo mesmo, mas foi avisado: “é cada vez mais difícil”. E é assim que o temos no escritório da empresa, sentado ao lado do aparelho de fax. Lá fora, estacionado perto da curva, está o seu carro. Joaquim repara num agente da polícia a rondar o carro. O agente começa a medir, a passos largos, a distância até à curva. Pareceu a Joaquim que o fax dava sinal, mas foi falso alarme. Entretanto, lá em baixo, o agente da polícia começa a preencher o talão da multa.
Por: António Ferreira