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Carta aberta ao sr. Governador Civil da Guarda

Face às declarações de V. Exa., publicadas na edição de 7 de Janeiro deste semanário, considerando de «muito mau gosto» o abaixo-assinado dirigido por 56 médicos ao senhor Primeiro-ministro em 8 de Setembro de 2009, a propósito das maternidades da Beira Interior, desejam os signatários esclarecê-lo do seguinte:

O referido abaixo-assinado antecedeu em mais de 2 meses a nomeação de V. Exa. como Governador Civil. Tanto quanto sabemos, é a primeira vez que um titular do cargo se pronuncia sobre iniciativas anteriores à sua nomeação, tentação à qual nunca cedeu a anterior Governadora Civil.

O documento em causa está escrito em linguagem acessível até às pessoas mais simples, pelo que se compreende mal que da sua leitura se possa extrair a ideia de que nele foi efectuado qualquer juízo de valor relativamente ao funcionamento da maternidade, instituição à qual temos aliás dedicado muito mais do que V. Exa.

Espanta-nos, enquanto médicos, que não sendo V. Exa. um profissional da área, se considere habilitado a concluir que a maternidade se «encontra de boa saúde e recomenda-se», sobretudo tão pouco tempo depois de ter tomado posse, e logo na primeira visita que efectuou ao hospital. É caso para nos questionarmos se poderemos doravante substituir os órgãos nacionais de avaliação de maternidades por governadores civis recém-nomeados, ou os governadores civis por médicos recém-formados…

Informamos V. Exa. de que não temos dúvidas sobre a manutenção, para já, da maternidade da Guarda, mas sim sobre qual das outras duas – Covilhã ou Castelo Branco – deverá então ser encerrada, com diferentes efeitos no nosso hospital. Se reler com atenção o abaixo-assinado e conseguir perceber a subtileza da nossa preocupação, poderá depois desviar a energia que desperdiçou nesta questão para convencer o Governo a esclarecer-nos a todos sobre o assunto.

Através do abaixo-assinado que tanto perturbou V. Exa. os médicos limitaram-se a concordar com o anterior ministro da saúde, Prof. Correia de Campos, bem como com o Primeiro-ministro José Sócrates, relativamente ao excesso de salas de partos na denominada Beira Interior. Por isso se pronunciaram. Lamentamos que V. Exa., ao contrário desses governantes, não tenha conseguido perceber que com 3 maternidades numa linha de 100 km, e com o número de partos sempre a descer, não há apenas um prejudicado, mas três. Ou milhares, se atendermos também ao interesse das grávidas.

A afirmação de V. Exa. de que a diminuição do número de partos relativamente a 2008 é pouco significativa, revela natural ignorância e uma inadmissível e preocupante irresponsabilidade. Por mais que tentemos, não conseguimos deixar de nos inquietar com o facto de o número de partos na Guarda ter caído de 1153 para 695 em 10 anos!

Felizmente para a Guarda, o senhor presidente da Câmara, Eng.º Joaquim Valente, tem do assunto opinião, preocupação e preparação diversas das de V. Exa. Não será coincidência o facto de ter recebido, há algumas semanas, uma delegação de médicos do hospital e com eles discutido a problemática das maternidades na Beira Interior. Fê-lo com contenção, inteligência e bom senso, sem públicas, espaventosas e desnecessárias declarações.

Esta entrada de V. Exa. com o pé esquerdo no cargo que agora ocupa, atrelado a este assunto, recomenda que de futuro adopte o hábito de ouvir primeiro profissionais habilitados, ao invés de confiar em vozes partidarizadas e manifestamente incapazes.

Não podemos na circunstância deixar de citar Gil Vicente na Farsa de Inês Pereira, a propósito da ambição de uma criada da classe média do século XVI: mais quero um asno que me carregue, do que cavalo que me derrube…

Um grupo de médicos devidamente identificado

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