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Carta aberta ao PGR, a propósito do processo “Face Oculta”

Senhor Procurador:

Deixe manifestar-lhe, como cidadão crítico e atento, a minha profunda preocupação, antes de mais, pela inaceitável intromissão dos políticos num processo que é do foro judicial.

É, de todo, inaceitável que alguns ministros utilizem o termo “espionagem política” para caracterizar o trabalho da PJ e magistrados, e mesmo intolerável quando o próprio PM se permite ameaçar, sim ameaçar (basta ler as suas afirmações em que pede que alguém lhe explique se as gravações são verdadeiras) aqueles que têm a missão de investigar. Claro que são verdadeiras e existem, não foram inventadas, por certo. Mas elas só existem porque o PM, voluntariamente, decidiu participar nelas, isto porque um PM com um mínimo de princípios morais, que obviamente este não tem, não teria conversas com alguém com a gravidade suficiente para poderem ser extraídas as certidões de que temos conhecimento através da comunicação social.

Sintomático é o facto de esse senhor tentar jogar com a legalidade e não com o conteúdo das afirmações proferidas, o que não deixa lugar a qualquer dúvida, sobre a gravidade das mesmas.

Quanto à legalidade, é bom não esquecer que não foi o PM que foi colocado sob escuta, mas sim o Dr. Armando Vara, daí que não tivesse que haver autorização prévia. Se as escutas em que intervém o PM devessem ser destruídas, porque não foram autorizadas, também o deveriam ser todas as outras que respeitam a indivíduos que não deram autorização prévia para serem escutados.

Uma decisão diferente daquela que foi defendida no parágrafo anterior implica o desrespeito pelas características da lei, generalidade e igualdade. A primeira que diz que a lei se aplica a todos os cidadãos e a segunda que diz que todos os cidadãos são iguais perante a lei.

Como cidadão, sinto-me indignado ante a constatação de uma enorme face oculta em que políticos medíocres, irresponsáveis e sem princípios, estão a mergulhar este país. Como ex-militar de Abril sinto uma enorme frustração, pois é impensável que num estado de direito (será que ainda existe?) que, com o nosso gesto, pensávamos ter criado fomos, afinal, nós próprios enganados, pois foi gente menor que tomou conta do poder. É por isso que todos temos que lutar e exigir que o poder judicial cumpra as suas funções, levando a julgamento e condenando quem tiver prevaricado, independentemente de ser branco ou negro, ministro ou um anónimo cidadão.

Não desconhecerá o senhor procurador a visão cada vez mais negativa que os cidadãos têm da justiça, sendo que o senhor desempenha um papel fulcral neste aspecto.

Destruir as escutas, não por não tenham relevância mas apenas porque um dos visados num processo de corrupção é o PM, seria a machadada final na pouca credibilidade que ela já tem. Quero crer que a evolução deste processo contribuirá para a credibilização da justiça e não para o seu total descrédito.

Contamos, por isso, que desempenhe, plenamente e sem tibiezas, o papel em que foi investido.

Aceite os cumprimentos deste cidadão que, está certo de saber interpretar o pensamento de milhares se não mesmo milhões de outros concidadãos.

Manuel dos Santos, Guarda

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