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Capitalismo: manual de instruções

1. A pose apocalíptica está na moda. Desde as alterações climáticas até ao regresso do autoritarismo, qualquer tema internacional é debatido com tonalidades negras. Agora, toda a gente vislumbra um Armagedão capitalista ao virar da esquina. Meus caros, a crise é grave, mas o capitalismo é alérgico a apocalipses.

2. A economia capitalista é a melhor forma de combater a pobreza. Nas últimas três décadas, a globalização capitalista retirou centenas de milhões de pessoas da mais abjecta pobreza na China, Índia, Brasil, etc. Este é o facto mais importante do nosso tempo.

3. Na Europa, a esquerda e a esquerda beata (i.e., os reaccionários) passaram as últimas décadas a mentir sobre os efeitos da globalização. O mercado global, diziam as esquerdas, é um monstro que empobrece o resto do mundo, enquanto enche os bolsos da América. Mas, afinal, a globalização enriqueceu as sociedades não-ocidentais. Os chineses e indianos, por exemplo, deixaram a pobreza causada pelo socialismo e hoje experimentam a riqueza proporcionada pelo capitalismo. Para quando um “mea culpa” das esquerdas sobre este assunto? Enquanto espero – sentado – pelo “mea culpa”, tenho a dizer que o capitalismo manda beijinhos de Pequim e Nova Deli.

4. Esta crise revela, de forma paradoxal, o sucesso do capitalismo. Eis o ciclo virtuoso que alimentou a economia mundial nos últimos 20 anos: a globalização criou riqueza na Ásia; os asiáticos pegaram nas suas poupanças e enviaram-nas para os EUA, financiando, assim, o crédito barato dos americanos. Este excesso de liquidez é a causa técnica da crise: nadando em dólares ‘chineses’, os responsáveis americanos criaram um clima económico sem freios e contrapesos. Por outras palavras, o ciclo virtuoso transformou-se num ciclo vicioso.

5. Tentar encontrar bodes expiatórios é um primitivismo bíblico que convém evitar. Quando culpam os ‘bandidos de Wall Street’, os políticos e as sociedades ocidentais estão a fugir do problema social que está a montante deste terramoto financeiro. É que, além da causa técnica, esta crise tem uma causa social: um modo de vida assente no crédito barato e numa taxa de poupança nula. Nas últimas décadas, as sociedades ocidentais exigiram o extermínio dos juros; o crédito barato passou a ser uma espécie de ‘hábito adquirido’ que os eleitorados não admitiam perder. Este modo de vida centrado no crédito é a causa profunda da crise. A ganância de Wall Street está umbilicalmente ligada à ânsia de consumo da Main Street.

6. A maior lição desta crise não está ao nível da regulação institucional dos mercados, mas sim ao nível da auto-regulação moral que cada indivíduo deve possuir perante a tentação do crédito. Eis, portanto, a conclusão mais dolorosa: o capitalismo permanece de pé, mas estamos a descobrir que ter casa não é para toda a gente. Em 2008, morreu a democratização da propriedade através do empréstimo bancário.

7. Relembremos o século XX: o capitalismo é o pior sistema económico à excepção de todos os outros. As economias de mercado são cíclicas, isto é, têm altos e baixos. As economias socialistas não têm altos e baixos, caro leitor, estão sempre em baixo.

Por: Henrique Raposo

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