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Campanha de solidariedade na Guarda até ao final do mês

A entrega de bens está a decorrer na delegação do Instituto de Emprego e Formação Profissional

Depois de uma semana de intensos incêndios que cercaram a cidade da Guarda e devastaram várias localidades do concelho e do distrito, é hora de fazer o balanço das horas de desespero vividas pelos bombeiros guardenses. Dias de «muito cansaço e excesso de fadiga», explica o comandante Luís Santos, que chegaram a levar alguns “soldados da paz” a serem tratados no hospital, embora fossem apenas «umas horas de tratamento».

Nem na véspera da festa de inauguração do novo quartel, os bombeiros puderam dormir descansados, tendo saído um carro às 06h00 para o combate a um reacendimento em Vale de Estrela. Ao todo, durante mais de uma semana, estiveram presentes nos diversos fogos 90 elementos, «felizmente todos bem», suspira Luís Santos, no dia da entrada da corporação na nova casa. O comandante relembra ainda que só no fogo de Gonçalo, que durou quatro dias, estiveram 91 bombeiros da Guarda em combate, alguns dos quais ainda com o cansaço bem patente no rosto. Relativamente às viaturas, algumas já foram recuperadas, outras estão a ser, tendo ainda outras, que avariaram «três ou quatro vezes no terreno», sido reparadas no próprio local. É que, além da parte mecânica, há que pensar nas bombas, nas mangueiras e em «tudo o resto», porque se trata de carros que estiveram a trabalhar 24/24 horas durante uma semana e «isso dá resultados». Luís Santos recorda que «tudo o que temos no quartel esteve na rua por mais de uma ocasião», tendo até existido material que «nunca regressou a casa», pois foi «impossível» repor o equipamento que estava destruído. Ocasiões «várias» em que foi necessário alguém ir ao local com outro equipamento, mas nem sempre foi possível porque «houve momentos» em que não havia material para repor. «Tinham que trabalhar com o material que havia naquele momento até terem novas mangueiras ou até poderem regressar ao quartel e fazerem a manutenção da viatura», continua Santos, consciente de que se tivessem agora um esforço como na última semana os carros «não iriam aguentar». São carros que têm «muito tempo» e sobretudo «muito esforço em cima deles», realça, lembrando que «nunca nos aconteceu o que aconteceu este ano».

A escassez de viaturas e de material nos BVG é tão grande que até os “carros urbanos”, aqueles que só saem para incêndios em casas e fábricas, estiveram nas diversas aldeias para evitar danos de maior. «Chegámos ao ponto de ter o quartel vazio sem nenhum carro que pudesse levar água», conta Luís Santos a “O Interior”, afirmando que pelo menos água «ainda vamos tendo» e que também os bombeiros conseguem aguentar 70 mil litros em tanques, o que dá para «algumas horas». Algo que ainda poderá ser necessário, uma vez que há alguns espaços que ainda não arderam, mas que «infelizmente, alguém vai ter o cuidado de desgraçar por completo a vida social e financeira do concelho da Guarda, que já é pobre e ficará muitíssimo mais pobre», lamenta o comandante.

Em horas de luta contra as chamas, a corporação da Guarda teve apoio de todo o distrito, que se tem conseguido, salvo nos últimos dias, aguentado sozinho com 22 corpos de bombeiros, que têm lutado juntos nos diversos incêndios. Também em termos de solidariedade, a corporação tem sido apoiada por algumas casas comerciais (Modelo, Intermarché) e empresas (Gelgurte), que têm dado sobretudo géneros alimentícios, entre os quais bebidas, águas, leite e iogurtes. Já ao nível oficial «é a colaboração habitual», diz Luís Santos, consciente de que «é complicado responderem de imediato», por serem estruturas pesadas. Mas deixa a lembrança de que há um «grande esgotamento» humano, que se vai recuperando porque as pessoas são jovens e fortes, mas sobre o ponto de vista do equipamento é «muito difícil recuperar». «Só se este país pensar a sério neste problema, senão nada feito», conclui, entristecido, o comandante dos BVG.

Camas, roupa de cama, alimentos (batatas e feijões) e materiais de construção são os bens que mais têm chegado às instalações da delegação da Guarda do Instituto de Emprego e Formação Profissional, fruto da campanha de solidariedade “Portugal Solidário” para com as vítimas dos incêndios florestais. Trata-se de uma iniciativa promovida pela TVI e por todos os Governos Civis do país, para a recolha de donativos, bens de primeira necessidade e materiais de construção, à qual o Governo Civil da Guarda também aderiu.

Segundo Vítor Poença, chefe de gabinete do Governo Civil guardense, a campanha «não está a decorrer como queríamos, mas as pessoas têm aderido». Ainda assim, poucos dias depois da acção iniciar, «é prematuro» saber ao certo o que é necessário para todos os concelhos do distrito da Guarda abrangidos pelas chamas, bem como o que já tem chegado aos vários municípios. Pelo que, o Governo Civil solicitou a todas as autarquias que façam uma estimativa da situação para se conseguir uma distribuição «o mais equitativamente possível». Um trabalho que começa hoje, após uma reunião entre todas as câmaras e o Ministro da Agricultura, através da utilização de uma ficha disponibilizada pelo Governo Civil onde as autarquias inventariarão os verdadeiros prejuízos da tragédia dos incêndios das últimas semanas. De resto, na passada segunda-feira foi entregue uma cama e algumas mobílias a uma família do Rochoso, porque, como refere Joaquim Lacerda a “O Interior”, os casos «mais aflitivos vamos socorrê-los imediatamente, até com dinheiro do Governo Civil se for preciso, porque temos orçamento para agir de imediato». De salientar ainda que alguns materiais de construção, pelo seu tamanho, não estão a chegar ao IEFP mas estão disponíveis.

Esta campanha vai decorrer pelo menos até ao final do mês, conjuntamente com uma linha azul (808 200 288), que está aberta (sem custos para o utilizador) 24 horas/dia, no sentido de encaminhar as situações mais graves para uma «melhor» resolução por parte dos serviços competentes. Uma linha que serve sobretudo para as pessoas saberem que «estamos aqui para as ouvir», nomeadamente aquelas que estejam a passar por situações de maior dificuldade. Depois, cabe à Cruz Vermelha Portuguesa coordenar a campanha no terreno, tanto na angariação como na distribuição, mas «sempre sob o olhar do Governo Civil», realça Lacerda. Paralelamente, foi aberta uma conta na Caixa Geral de Depósitos para quem desejar colaborar com dinheiro (NIB 00350396002 1833363055).

Esta acção de solidariedade vai abranger pessoas, animais e terrenos agrícolas. Na parte dos animais (cercas, pastos e outros), as pessoas têm que se dirigir às zonas agrárias concelhias para preencherem uma ficha e definirem os seus prejuízos, porque terão que fazer elementos de prova, «normais em todas as ajudas que têm a receber do Estado», explica Joaquim Lacerda. As inscrições já estão abertas e, nos casos mais dramáticos, as pessoas recebem de imediato uma autorização para se dirigirem à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo para receberem os apoios.

Em relação aos desalojados, devem dirigir-se à Segurança Social para serem imediatamente ajudados «aqueles que precisam de roupas para sobreviverem» e às Câmaras Municipais que apoiarão na reconstrução das casas. «Os subsídios serão imediatamente distribuídos segundo as normas que foram estabelecidas pela resolução do Conselho de Ministros», aquando decretou situação de calamidade pública para vários distritos do país, na última semana. Da reunião de hoje sairão ainda os números oficiais da área ardida no distrito da Guarda, um espaço que rondará, segundo Vítor Proença, os 35 mil hectares.

Figueira de Castelo Rodrigo solidária

Também no concelho de Figueira de Castelo Rodrigo está a decorrer uma campanha de solidariedade específica para apoiar a família do bombeiro que faleceu quando se dirigia para um incêndio naquela zona. O “soldado da paz” deixou dois filhos menores e integrava uma família de fracos recursos, um cenário que levou os Bombeiros de Figueira a avançar com esta iniciativa. Carlos Fonseca, presidente da direcção, explica que «quando se soube do acidente (ocorrido há quinze dias atrás) começámos a receber telefonemas de pessoas de Figueira a dizer que gostavam de contribuir para a família do João». Na segunda-feira da última semana, Fonseca decidiu, então, abrir uma conta no BPI (NIB00100000327 4470000260), começando desde logo a contactar pessoas que «quisessem contribuir». O dirigente lembra que o bombeiro João e a família eram «bastante carenciados, viviam do dia-a-dia. Ele era trolha e a esposa trabalha na fábrica de calçado Rodhe, mas não é um emprego seguro porque já esteve duas vezes em “lay off”». Isto além dos dois filhos menores, uma menina de sete anos e o João, que «continua a querer ser bombeiro», destaca Carlos Fonseca, recordando que «ele era a companhia do pai aqui dentro».

Rita Lopes

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