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Brumário

1. O Governo decidiu suspender os prémios aos melhores alunos do secundário, no valor de 500 Euros. A medida foi anunciada cinco dias antes da entrega dos prémios, cerimónia prevista para o dia 1 de Outubro. O Ministro da Educação justificou a decisão, prometendo que essa verba será “atribuída a projectos de escola, a projectos de apoio aos alunos e não devemos estar simplesmente a distribuir dinheiro”. Não podia estar mais de acordo. Poder-se-ia levar esta filosofia de acção um pouco mais longe. Estou-me a lembrar dos generosos subsídios concedidos a associações de estudantes, quer do ensino secundário, mas sobretudo do superior. E também, de um modo geral, às associações juvenis do mais variado tipo que são financiadas pelo IPJ, sem nenhum tipo de supervisão dos gastos. Ou então, se ela existe, é puramente retórica. E acreditem que sei do que estou a falar. Ou seja, esta pródiga subsidiação da juventude, que só obscuras razões – maxime a manutenção e fixação de clientelas eleitorais – explicam a persistência num período de vacas magras, devia acabar de vez. Apertando-se nos recursos financeiros disponíveis e nos critérios utilizados.

Relativamente ao episódio dos “prémios de mérito”, gostaria ainda de acrescentar algumas reflexões. Qualquer aluno, seja do ensino público ou privado, deveria ter presente que ter boas notas não é mais do que a sua obrigação. E que se forem mesmo muito boas, basta o prémio da sua satisfação e da que proporciona à sua família. Traduzir isso em expressão monetária, com o aval do Estado, é ir por caminhos perigosos. Sobretudo sabendo-se que o actual sistema de ensino prima pelo facilitismo e pela descida da bitola da excelência, atendendo à menorização dos bons alunos, em benefício dos outros e dos “casos problemáticos” e ainda às sacrossantas estatísticas do (in)sucesso escolar. Por outro lado, ser bom aluno, sobretudo no ensino secundário, não quer dizer necessariamente ter as melhores notas. Significa que existe um equilibro entre a expansão do conhecimento e o crescimento como pessoa e como cidadão. Significa que, a haver prémios, não deveriam ir para os marrões, mas para os que sobressaíram enquanto unidade compósita de competências.

2. Recentemente, foi para o ar uma emissão do programa “O Humor e a Cidade”, de José de Pina, na RTP, dedicado à Guarda. Já vi por aí alguns comentários a propósito de o humorista não ter ido aqui e acolá, nomeadamente à Sé. Até já vi questionado o facto de ter ido a Belmonte. Vamos por partes. Esta última objecção reflecte um dos lastros crónicos na mentalidade local: o paroquialismo, as guerras dos “castelinhos”, ou das capelinhas, se quiserem. Ou seja, uma visão empobrecedora do que deveria ser uma autêntica dinâmica regional. Conseguida graças a uma composição harmónica das diferenças e não da sua oposição. A primeira crítica, por sua vez, ilustra uma postura territorial e proprietária, muito própria do beirão, mas que abunda em excesso por aqui. Como se a cidade e a Sé fossem “nossas”! Sim, claro, são-no inteiramente, mas só na poesia. Quanto ao resto, quer vivendo ou não na Guarda, pode-se e deve-se certamente amá-la, querer o melhor para ela. Mas sempre na posição de quem usufrui de um espaço urbano como um privilégio. De quem “está” nele numa feliz passagem. E no caso do património, como um depositário do seu significado e da sua integridade. Sejam os cidadãos ou, muito especialmente, as instituições a quem incumbe esse papel, a cumprir esse desígnio. Portanto, a Guarda não é “nossa”. É da humanidade. Tal como foi das gerações passadas e sê-lo-á das futuras. Cabe-nos somente assegurar que assim seja. Relativamente às opções seguidas no programa e que mereceram as críticas referidas, há algo mais a adiantar e que serve para ambas. Tudo me leva a crer que José de Pina, quando vai a esta ou aquela localidade, já leva o “guião” do programa na sacola. Ou seja, os temas e motivos a abordar já estão previamente definidos. Obviamente que, se o guião já vai feito, o roteiro é alinhado no terreno, como se compreende. Sobretudo quando se trata de visitar determinado restaurante ou estabelecimento nocturno. Mas a trama essencial já vai montada. E nem podia ser de outra forma. O viajante é soberano na sua deambulação. É essa a sua marca genética. Mesmo que, como no caso deste programa, se detecte um padrão nas visitas: idas a restaurantes, uma ou outra particularidade local, seja um monumento, uma tradição ou um simples objecto, muita subjectividade, informalidade, uma incursão pela vida nocturna, etc. Como se vê, o “programa de festas” está longe de corresponder ao de uma abordagem convencional, didáctica, exaustiva, com alguma solenidade pelo meio. É antes uma errância descontraída, bem humorada e naif pelos locais eleitos, mesmo que frequentemente crítica. Ao melhor estilo dos programas congéneres dos canais temáticos de viagens.

Gostei de ver os porta-vozes da JS, ufanos diante dos holofotes da comunicação social, na última acção de protesto contra as portagens. Tirando dividendos de uma iniciativa cívica fora dos partidos. Mas o caso assume foros de escândalo, sabendo-se quem foi o anterior governo quem decidiu cobrar nas SCUT. Sendo secretário de Estado da área o cabeça de lista do PS pela Guarda nas últimas eleições, Paulo Campos. Cujas negociações com a subsidiária da Mota-Engil, no processo de concessão das SCUT está longe de ser transparente e é claramente lesivo para o interesse público. Mesmo assim, os jovens tirocinantes socialistas lá estavam para a fotografia! Estas escolas de “virtudes” denominadas juventudes partidárias são dos piores cancros que existem na democracia. Durante as minhas lides associativas, na Universidade, combati de forma implacável estas cáfilas de carreiristas. Se todos fizessem o mesmo…

Por: António Godinho Gil

* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

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