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Bom Regresso de Férias

Lamentava-me, quando fui de férias, do miserável estado em que se encontrava o país e das suas péssimas perspectivas para o futuro. Estávamos em meados de Julho e os pinhais e eucaliptais começavam a arder. O preço do petróleo subia a valores inauditos, quase duplicando a cândida previsão do orçamento geral do estado de Santana Lopes. O território nacional estava em seca extrema ou severa. O governo esbanjava o estado de graça em medidas discutíveis, ou mesmo erradas. A política reduzia-se a uns pífios tabus sobre as presidenciais e a uns debates de opereta sobre assuntos sem importância. Enquanto o país ardia, enquanto muitos, em Portugal e na imprensa estrangeira, se interrogavam sobre a viabilidade do Estado Português, discutiam os nossos políticos entre si promessas eleitorais. Desculpem-me o vernáculo, mas isso teve a mesma relevância e oportunidade que teria uma discussão sobre virgindade entre duas putas – sobretudo se a discussão tivesse lugar com o bordel a arder.

Chegámos a Setembro e as coisas mudaram. Não para melhor, mas mudaram. O petróleo está mais caro, a seca agravou-se, o discurso político continua irrelevante. Os fogos terminaram finalmente, em muitos casos por falta de combustível. As falências continuam e o país treme de cada vez que a Delphi ou a Wolkswagen ameaçam com reduções de pessoal.

As rotundas, entretanto, ficaram cheias de fotografias de candidatos a autarcas. São todos pela sua terra. Prometem trabalho, competência, empregos. Ou a continuação da sua obra. Quando forem interrogados sobre o que fizeram no mandato que termina, vão inventariar milhões de toneladas de betão. Vão falar em bibliotecas, piscinas, auditórios, pavilhões multiusos. Vão recitar o catálogo do perfeito autarca e vão demonstrar ao auditório que preencheram com distinção todos os itens. O adversário vai prometer ainda melhor. Vai dizer: mas ainda falta uma mediateca e vou ser eu a construi-la. Ainda falta um hipódromo, um campo de golfe, tanta coisa. Muitos concursos públicos, muitos empreiteiros, muitas valências. Todas elas, depois de inauguradas, com um exorbitante custo por utente e uma utilidade, directa ou marginal, mínima.

Resta-nos a esperança no resultado das presidenciais. Poderia dizer-vos muito sobre o tema, mas limito-me a revelar o meu sentido de voto: vou ficar em casa.

Por: António Ferreira

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