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Bom dia, boa tarde, boa noite!

Dar a salvação, como se costuma dizer, é um hábito em rápido desuso. Praticamente extinto nos grandes centros, desejar um bom dia, tarde ou noite a um transeunte, é encarado pela maioria como um ato de insanidade. “Porque raios é que este tipo se me está a dirigir?!?” – dirá, para si mesmo, o transeunte aparvalhado, surpreendido com aquele ato de atenção ao próximo.

Dar a salvação significa desejar ao outro uma boa jornada. Faz parte da natureza dos humanos que sentem empatia para com um seu semelhante. Por isso, não receber a “volta do correio” incomoda e entristece o primeiro interlocutor.

Não quero com isto dizer que se deva entrar no metro e dar a salvação aos berros a uma carruagem apinhada. Aí correria o risco de se ser considerado insano, apesar de feliz e de bem com a vida. No entanto, se se sentar num banco dessa mesma carruagem já não seria nenhum exagero fazê-lo ao companheiro de assento.

O arquétipo do local onde nunca poderia deixar de ser dada a salvação é o elevador. Como é possível haver tanta múmia nos elevadores deste mundo? Agora já nem o estado do tempo se comenta para obviar àqueles segundos, a minutos, que duram as viagens. Agora há um silêncio ensurdecedor durante esses trajetos verticais onde o tempo abranda e só as ventilações, mais ou menos profundas, ecoam na caixa, da qual os viajantes são, finalmente, resgatados pelo gongo que anuncia o fim da provação.

O que está a acontecer, cada vez mais frequentemente, é a desilusão e a desmobilização da parte de quem gosta, costuma e acha que é um ato de boa educação e cidadania desejar uma boa jornada a um seu semelhante, mesmo que nunca se tenham visto antes, mas que, por partilharem um espaço mais ou menos estrangulado ou, simplesmente, porque são as duas únicas criaturas a circular, num determinado momento, numa rua, viela ou estrada de terra batida, isso lhes fica e sabe bem.

Há, no entanto, alguns bastiões que resistem à erosão das regras da boa educação e sã convivência – os bairros e as aldeias. Aí, não dar a salvação a um vizinho é um ato premeditadamente hostil (que pode resultar de acontecimentos ainda não ultrapassados pelo tempo) e tem a mesma função da micção de um cão numa esquina do seu demarcado território. No entanto, a regra por estes dias é chegar à varanda, num belo dia de sol e presentear o vizinho da frente com um belo e sonoro “Bom dia!”, seguido do comentário acerca da engenhosa conquista do 1º campeonato da europa. Esse sabor só tem, para mim, paralelo com a degustação de meia dúzia de deliciosos pastéis de Belém, em Belém, na, emprestada e fresquíssima, sala superior do vizinho “Starbucks”. É ouro sobre azul… até que o chefe de redação deste jornal recorde, por mensagem, nessa mesma fresquíssima sala, o colunista desta coluna que já ultrapassou o prazo de entrega deste mesmo artigo em várias horas. Aí chego à conclusão que, afinal, sou o vizinho que, depois de tanta conversa, ainda não retribuiu a salvação. Por isso aqui vai, para ti, e também para quem lê estas linhas estranhas, o meu desejo de um bom dia, boa tarde ou boa noite, conforme o caso.

Por: José Carlos Lopes

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