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Beiras

Editorial

Em 2004 organizámos na Guarda um debate público sobre o projeto de reforma da administração territorial que pretendia implantar as comunidades urbanas e preconizava mudanças na organização do território. Perto de 400 pessoas encheram o auditório do Hotel de Turismo, então ainda aberto, para assistirem e tentarem perceber o projeto ou reforma que se avizinhava. Entre a audiência estavam muitos dos então presidentes de Câmara da região. Para o debate convidámos Pedro Guedes de Carvalho, professor universitário na UBI, os deputados Pina Moura, do PS, e Ana Manso, do PSD, os autarcas Carlos Pinto, da Covilhã, e Maria do Carmo Borges, da Guarda, o presidente da Associação Nacional de Municípios, Fernando Ruas, e o responsável no governo pelo projeto, o então secretário de Estado Miguel Relvas. No debate, participado e esclarecedor, observámos muitas divergências de opinião e um grande entusiasmo do representante do Governo na defesa da reorganização do território. Ainda não era a extinção de freguesias que estava em cima da mesa, mas os argumentos em defesa da criação das comunidades urbanas já era então o de dar escala e melhorar a organização intermunicipal.

Passados nove anos, algumas das premissas da reforma que então se defendia continuam a mobilizar os defensores das comunidades urbanas. A reforma de 2004, que falhou em muitos dos seus pressupostos, não tinha de conviver com o sufoco financeiro do país e o poder local não estava estrangulado por dívidas mirabolantes ou sufocado pelo exponencial crescimento de despesa. Em 2004 havia um patamar de exigência diferente e não se olhava a meios para atingir os fins. Hoje, não há meios. E o poder local para sobreviver enquanto tal tem de aprender a fazer muito com pouco. Nunca esse desiderato se colocou às gerações anteriores de autarcas que, durante 35 anos, tiveram uma fé inabalável na sua obra.

A reforma do Documento Verde elimina algumas freguesias, mas não vai tão longe como se preconizava, nomeadamente ao permitir a sobrevivência de alguns municípios e, pior, com a “morte” prematura de Miguel Relvas e o sufoco do governo, a recapitulação das empresas municipais vai-lhes permitir reorganizarem-se e “crescerem” para continuarem a fazer o mesmo: gastar sem controlo de ninguém.

Se a extinção das freguesias foi feita sobre muito ruído, a da instalação das comunidades intermunicipais acontece de forma silenciosa. Entre o argumento de que se trata de um redimensionamento das NUT’s – que são o geocódigo padrão para referenciar as divisões administrativas dos países europeus para fins estatísticos e contribui para determinar o mecanismo de entrega de fundos estruturais e de coesão – e a aproximação de municípios que até agora estavam de costas voltadas, a regionalização tantas vezes adiada, está a ser implantada nas costas dos cidadãos, entre autarcas e políticos. O país está já completamente dividido em comunidades e os cidadãos nem deram conta. Com o caminho traçado, espera-se que nas próximas eleições autárquicas os diferentes candidatos saibam explicar o que querem para os respetivos concelhos numa nova ordem regional. A região que emerge – a Comunidade das Beiras e Serra da Estrela – pode ter a escala certa, pela proximidade e problemas comuns dos seus concelhos, para definir uma estratégia adequada ao desenvolvimento da região, mas é urgente exigir aos autarcas e políticos a clarificação das suas posições e a explicitação da estratégia (se é que a têm) para o futuro da Comunidade. Pode ser uma oportunidade, quiçá a última, para desenvolver este território ostracizado. Ou mais um fracasso, para o qual o silêncio comprometedor de alguns nos remete. A Guarda, naturalmente, tem de afirmar-se como capital política da Comunidade (se bem que os candidatos e putativos candidatos à Câmara nada dizem sobre esta matéria, que aliás parecem desconhecer) pela sua localização central. Mas entretanto é urgente que tudo seja devidamente explicado às pessoas, que têm o direito a saber o que está a ser feito e assim poderem ser parte de uma nova realidade que se quer de todos e não apenas de presidentes de câmara.

Luis Baptista-Martins

Comentários dos nossos leitores
Luís Miguel Fernandes Gaspar Dâmaso luisdamaso1980@gmail.com
Comentário:
Já com a preocupação de qual será a capital…meio caminho para deitar tudo a perder.
 
T. Farias tafcoa@sapo.pt
Comentário:
Com o devido respeito por opinião contrária, estas comunidades intermunicipais só teriam sentido e seriam úteis ao país se resultassem da agregação dos concelhos que as integram, para poupar despesa e reorganizar o território de uma forma homogénea. Não o fazendo é mais uma estrutura para criar lugares políticos, aumentando a despesa para contribuinte pagar. Mais um ónus para a sobrevivência financeira do Estado Português.
 

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