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Beirados vs Algerozes

Nos últimos tempos o velhinho beirado português tem vindo a perder terreno para o “sofisticado” algeroz, que, como o próprio nome indica, tem uma origem árabe. Aí a sua função era a de recolher a preciosa e rara precipitação emanada por ordem de Alá.

O grande problema acontece quando adaptamos soluções arquitetónicas úteis nuns locais, a locais onde as condições meteorológicas são completamente diferentes. Vamos ser francos, um telhado, seja ele feito de palha, folhas de palmeira, entrançados de junco, tégula romana, pedra, xisto, telha cerâmica, telha asfáltica ou zinco, tem como função proteger e afastar as águas pluviais do que está por baixo, a habitação. Portanto, seria de esperar que a solução mais lógica fosse a de permitir a sua escorrência até ao limite do telhado e, findo este, a simples ação da gravidade, permitisse que as gotas se precipitassem do seu limite. Qual a melhor solução para este quadro? O beirado, pois claro. Simples e bonito, se for o típico português. Os algerozes, por sua vez são uma fonte permanente de dores de cabeça pois têm demasiados “ses” para que possam cumprir a sua função cabalmente. Neste tipo de solução, as águas de escorrência do telhado são recolhidas no seu limite, numa caleira incorporada entre a parede do edifício e este. Essa caleira tem que ficar perfeitamente impermeabilizada e nos topos encontrar-se-ão tubos que se encarregarão de levar a água até ao chão. Em teoria tudo estaria bem. Na prática é um desastre. São as fendas de dilatação térmica que rompem o isolamento, os pássaros que com os seus ninhos ou os sacos de plástico entopem os tubos, etc. E deste modo, a receita para o desastre está passada.

A minha escola sofreu obras de remodelação de monta. Está equipada com o que de melhor existe em Portugal, no que diz respeito a material informático, laboratórios, auditórios, pavilhão gimnodesportivo, entre outras inovações, mas por culpa da loucura de um qualquer gabinete de arquitetura ou engenharia a trabalhar para a Parque Escolar – empresa que passará a gerir o edifício, não as pessoas, nas próximas décadas e à qual os contribuintes passarão a pagar uma determinada renda anual -, todo este investimento está posto em causa porque chove dentro do edifício. E não é uma chuva qualquer, é uma chuva à estádio da Luz, daquela que só acontece quando o Porto lá comemora o título, chove, pasmem-se, de baixo para cima. Sempre que chove fortemente vemos água no chão, mas não nos tetos, nem nas paredes. Mistério? Passo a explicar. A minha escola tem um moderno (e feioso) telhado em zinco, do qual as águas são recolhidas nos tais algerozes passando depois para tubos que foram metidos dentro (!?) das paredes, escorrendo ao longo destes a uma velocidade furiosa. Chegada ao rés-do-chão, a água de vários tubos conflui em caixas de recolha, das quais, provavelmente não partem tubos com diâmetro suficiente para dar vazão a toda a água vinda de cima. Conclusão, a água borbulha violentamente e invade alguns dos pisos inferiores, danificando, nalguns casos material escolar. Como é que isto é possível? Muita estupidez e falta de bom senso. Passámos de uma escola com mais de trinta anos, na qual apenas chovia nos locais onde havia terraços a fazer de telhado ou telhas partidas -o que se compreende ao fim de mais de três décadas-, para uma escola “state of the art” onde o mais importante, a proteção de todo o recheio, está posta em causa por causa do devaneio de quem planeou a remodelação. A resolução deste imbróglio parece-me difícil sem novas obras de fundo a nível da cobertura. Mas a solução parece-me óbvia: águas da chuva não são para meter por dentro do edifício, são para expulsar pelos beirados, agora amanhem-se! Entretanto o Zé Povinho vai pagando as obras adicionais e os devaneios dos técnicos. Viva o Beirado Português!

Por: José Carlos Lopes

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