Arquivo

Barca d’Alva

Editorial

1. Ao fundo, o Douro corre tranquilo, por entre uma paisagem de uma beleza ímpar. Não é tanto pelo casario, é mais pela natureza, pelas amendoeiras, oliveiras e videiras que enchem as encostas, e é pelo rio, enorme, intenso, e navegável. Por entre as muitas curvas, vamos descobrindo o cais e os barcos que trazem pessoas de todo o mundo. Este é o Portugal profundo, inóspito, agreste, ostracizado, árido, longe do mundo, mas tão perto do mundo, junto a Espanha e onde diariamente chegam de barco centenas de turistas das mais diversas proveniências. É o turismo de “alto valor” que a Douro Azul desenvolveu e os estrangeiros estão a descobrir. São cada vez mais, porque aqui, como escreveu Miguel Torga, sente-se o campo e a serra, aqui «qualquer coisa dentro de mim se acalma». Barca d’Alva, a terra de Agostinho da Silva, o místico e indómito pensador que marcou os jovens nos anos 80 e 90, é uma das mais sui generis e belas aldeias da região. Mas Barca d’Alva, para lá da natureza e do Douro, tem agora uma nova âncora, um observatório e plataforma de ciência. Uma combinação feliz, que abraça o universo, que tem na Câmara de Figueira e na Universidade de Leiden (Holanda) os parceiros improváveis, e no astrofísico residente Pedro Russo o agente secreto que vai pôr a aldeia duriense no topo da astronomia. Como repetidamente me dizia Luís Caetano (da CCDRC), em Barca d’Alva pode repetir-se o fenómeno de localidades como Davos – que era “apenas” uma pequena cidade Suíça, para onde, por engenho e visão, foram convidados há uns anos economistas para discutirem e estudarem o mundo e a “nova economia” e aos poucos passou a ser a terra onde a alta finança se discute ao mais alto nível. E em Barca d’Alva os investigadores já começaram a chegar, já lá estão, vindos de diferentes países, para começarem a ver o universo a partir da pequena aldeia que viu o caminho-de-ferro ser desmontado mas quer apanhar o comboio do futuro de forma diferenciada. Integrado na rede internacional Open Science Centre a Plataforma de Ciência Aberta, é um investimento de 250 mil euros que pode ser uma verdadeira festa de desenvolvimento, futuro e modernidade. O difícil não é fazer, o verdadeiramente difícil é saber fazer.

2. No passado sábado celebrou-se o 10º Concurso de Vinhos da Beira Interior. Um evento que resulta de um bom projeto que marcou ou contribuiu para a modernização e qualificação da produção de vinhos na região. Nasceu de uma sugestão que apresentei há dez anos ao Pedro Tavares (presidente do Nerga) para fazer um grande concurso gastronómico e de vinhos na região (o importante é aportar caminhos e soluções e, mais importante ainda, é ver como as boas ideias vingam e seguem o seu caminho muito para além dos criadores originais e graças à boa integração de vontades das partes: parabéns a todos os participantes na metamorfose agrícola conseguida. Pessoalmente, ainda voltei a estar envolvida na dinamização e internacionalização dos vinhos da região, em 2011, quando promovemos a visita de 50 prescritores e jornalistas de todo o mundo à região – foi um salto extraordinário para os vinhos da região…). Pedro Tavares, e bem, agarrou a ideia e promoveu as parcerias e vontades que contribuíram decisivamente para mudar a paisagem vitivinícola da Beira Interior. Na altura havia meia-dúzia de produtores-engarrafadores na região, hoje três dezenas; há dez anos havia meia dúzia de “marcas” ou produtores reconhecidos, hoje há dezenas, com qualidade e sabor superior, que em qualquer prova cega se podem bater com os melhores néctares; então, os brancos eram já uma certeza que se foi confirmando, agora são os tintos de altitude que se assumem – como o vencedor do 10º Concurso, o Beyra Grande Reserva 2015, Tinto, um vinho da Vermiosa que se recomenda. O “glamour” dos jantares de gala ficou lá atrás, entre as ruínas do Palácio Cristóvão de Moura, em Castelo Rodrigo, em 2010, e o do Castelo do Sabugal em 2016 – o deste ano teve de tudo menos “glamour” – mas o futuro da festa dos vinhos está assegurado.

Sobre o autor

Leave a Reply