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Balada das gruas tristes

Pairam sobre as nossas casas e as nossas ruas, como gigantescas cegonhas de ferro. Algumas estão sobre prédios abandonados, ou construções há muito paradas. Acabou o dinheiro, ao empreiteiro ou ao dono da obra, os trabalhadores foram despedidos ou foram embora e as gruas pararam. Tirá-las daí e levá-las para outro lado, se houver onde as deixar, fica caro e pode custar mais do que vale a própria grua. Valerão algo como ferro-velho, mas às vezes os credores não deixam, ou as insolvências não andam. Não sei quantas estarão assim, a enferrujar aos poucos, com um ou outro rebite a ameaçar ceder, a tinta a estalar. Muitos invernos e verões depois a degradação vai acelerando, cada vez mais depressa.

Serão consequências da nossa bolha imobiliária, do afã de construção a todo o custo quando a população ia fugindo, da construção de cada vez mais casas para cada vez menos gente. Um a um, os empreiteiros foram descobrindo que ninguém as iria comprar e que as dívidas à banca tinham já esmagado o pouco lucro com que contariam, mesmo que tudo corresse bem e os prédios, afinal, se vendessem.

Foi assim que as gruas foram parando e ficando onde estavam, aparentemente para sempre, sem propósito e sem função.

Não sei se alguém se terá lembrado das questões de segurança que colocam, ou terá uma lista de quantas estarão abandonadas e a criar perigo e vai vigiando o seu estado. Vê-se que enferrujam, que são pesadas e que pairam lá em cima, sobre as nossas cabeças. Não são apenas um aviso, para que se não volte a cair nos mesmos erros. São também o próprio erro.

Enquanto ninguém faz nada por elas continuam lá em cima, tristes, sem função, perigosas. Às vezes, quando o vento sopra mais forte, mexem só um pouco. Às vezes o vento sopra mais forte ainda.

Por: António Ferreira

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