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Autarquias, corrupção e democracia

Menos que Zero

Sem papas na língua, o vice-presidente da Câmara do Porto, Paulo Morais, disse publicamente aquilo que outros dizem em privado: há corrupção nos sectores de urbanismo das câmaras.

Em Fevereiro deste ano, o fiscalista Saldanha Sanches tinha dito ao DN que o número de presidentes que exige luvas para instalar empresas no seu concelho é assustador, levantando também suspeitas em relação à actuação de alguns autarcas.

Apesar de toda a polémica, estas denúncias públicas podem ser apenas a ponta do iceberg. Basta dizer que, em Fevereiro deste ano, a PJ tinha em investigação 185 processos de corrupção e peculato nas autarquias portuguesas o que, apesar do princípio da presunção de inocência, é um número revelador da situação vivida nas câmaras municipais.

Histórias de filhos e irmãos de autarcas que enriquecem repentinamente ou de sobrinhos que ganham milhões em actividades onde outros conseguem apenas sobreviver contribuem para a desconfiança dos eleitores em relação aos eleitos. É verdade que a legislação obriga os titulares de cargos públicos a declararem os seus bens patrimoniais antes e depois do mandato, mas é preciso fazer acertos na legislação para a tornar mais eficaz. Alargar a declaração obrigatória de bens patrimoniais a todos os familiares dos eleitos, por exemplo, é uma boa forma de tornar o processo mais transparente.

Com a suspeita de favorecimentos a pairar sobre os autarcas, é cada vez mais difícil convencer os cidadãos a integrarem as listas de candidatura. Por isso, os candidatos deixaram de ser seleccionados entre os munícipes mais prestigiados e respeitados da polis, para serem escolhidos pelas máquinas partidárias, seguindo estratégias de política interna. A imposição das lógicas partidárias e as suspeitas de corrupção fazem com que a sociedade civil se afaste progressivamente dos cargos públicos, minando a democracia.

Com a corrupção na ordem do dia e as eleições autárquicas no horizonte, talvez seja o momento ideal para implementar medidas que aproximem os eleitores dos eleitos, reforçando a imagem do poder local como um importante pilar da sociedade portuguesa.

Por: João Canavilhas

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