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Autarca de Vila Franca das Naves abatido por causa de algumas pedras

Miguel Madeira foi ontem a enterrar, enquanto os alegados homicidas foram ouvidos no Tribunal de Trancoso

A mulher do alegado homicida do presidente da Junta de Vila Franca das Naves, Miguel Madeira, foi detida, ao meio da tarde de terça-feira, pela Polícia Judiciária da Guarda por suspeita de co-autoria do crime. Mário Bento, coordenador da PJ, adiantou a “O Interior” que «face aos elementos recolhidos durante a investigação, concluímos que ela participou activamente no homicídio ao instigar o marido a efectuar os disparos». Os dois detidos foram ontem presentes ao juiz do Tribunal de Trancoso para primeiro interrogatório. O funeral do jovem autarca, de 36 anos, decorreu ao final do dia.

Miguel Madeira foi abatido à queima-roupa no interior da sua carrinha na terça de manhã, quando se preparava para remover algumas pedras propositadamente colocadas pelo suspeito para obstruir um lugar de estacionamento em frente à sua casa. João Loureiro, de 68 anos, ainda terá ameaçado dois funcionários da Junta antes de se dirigir ao presidente, sobre o qual disparou dois tiros de caçadeira. «Ainda gritámos ao Miguel para que fugisse, mas ele estava ao telemóvel e não deu por nada», contou a “O Interior” Manuel Garcia, um desses trabalhadores, antes de ser levado pelas autoridades. Os disparos alertaram a vizinhança e chamaram a atenção de um delegado comercial que passava por ali perto. «Ainda pensei que fosse alguém na caça aos tordos. Mas quando cheguei ao local vi uma senhora a gritar ameaças de um lado para o outro. Só depois me apercebi do corpo na carrinha», refere o viajante, acrescentando tratar-se da esposa do alegado homicida. «Foi uma cena inacreditável», garante. Mas durou pouco porque a notícia correu a vila e o povo, em estado de choque, juntou-se rapidamente na rua entre o Bairro das Flores e uma das zonas industriais da vila, numa das extremidades da localidade. Perante a chegada dos populares e da GNR, João Loureiro barricou-se em casa e ainda ofereceu alguma resistência, mas acabou por se entregar às autoridades pouco depois, saindo pelas traseiras da sua casa.

O que se seguiu foi um autêntico cerco ao local do crime, com a GNR a sentir algumas dificuldades para conter populares mais irados. Reclamou-se justiça popular: «Povo, uni-vos!», arengou um habitante, enquanto prometia ir até à casa do suspeito «ajustar contas» com a mulher, que ali permanecia ao meio da manhã. «Se não for agora, vai ser mais tarde. Mas ela vai pagar pelo que fizeram ao Miguel, pois ela é que é a culpada de tudo», disse. Ao seu lado, um homem de meia idade lamentava a actuação da GNR: «Enganaram-nos, levaram-no às escondidas para ninguém o ver», afirmou, lembrando que o jovem autarca já tinha sido ameaçado várias vezes. «Aquelas pedras são a vergonha de Vila Franca», proclamou. De resto, as autoridades também foram responsabilizadas pela tragédia: «Isto dura há oito anos. A GNR sabia das ameaças e nunca ninguém fez nada. Porque não o fizeram? Só agora é que se mexem, depois do Miguel estar morto?», questionou uma senhora, de lágrimas nos olhos. «Estes guardas também precisam de ser castigados», reforçou a vizinha do lado, que ainda tentou furar o cordão policial. «Ele agiu como se isto fosse dele e nunca foi incomodado pela GNR», garante um vizinho, também ameaçado várias vezes por João Loureiro. «Eram pessoas intratáveis. Nós vivíamos aterrorizados”, sublinha.

Outra vítima das ameaças do alegado homicida foi Arnaldo Pereira que um dia teve a infeliz ideia de estacionar no local. «Disse-me que, se não tirasse a carrinha, ia buscar a caçadeira e dava-me dois tiros. Eu não quis nada com ele e fui-me embora, porque ele tinha instinto de mau», adianta, considerando que a esposa “é tão perigosa como ele”. O também comandante dos bombeiros da corporação local foi eleito há quatro anos pelo PSD e recandidatava-se ao cargo de presidente da Junta de Freguesia de Vila Franca das Naves nas eleições de 9 de Outubro. Mas Miguel Madeira não teve tempo de entregar a sua fotografia para os cartazes da campanha, o que deveria ter feito na terça-feira. O partido já anunciou o cancelamento de todas as actividades de campanha nos próximos dias em sinal de homenagem pelo jovem autarca. Um gesto que deverá ser seguido por várias candidaturas em todo o distrito.

Reacções

Júlio Sarmento, presidente da Câmara de Trancoso

«Estou chocado. O Miguel era um grande homem, um grande presidente de Junta e uma pessoa por quem a população nutria muito carinho. Já havia uma ameaça latente que não foi suficientemente valorizada pelas forças da autoridade. Em Portugal, as pessoas já não têm grande temor à Justiça e coloca-se a autoridade do Estado em causa com muita facilidade».

João Rodrigues, presidente da concelhia PSD de Trancoso

«O Partido Social Democrata decidiu suspender a campanha nos próximos dias em homenagem ao Miguel. Pelas informações que obtive parece-me um crime premeditado, porque já tinha sido ameaçado por diversas ocasiões. Morreu no cumprimento do seu dever, enquanto autarca».

Fernando Andrade, presidente da Federação de Bombeiros do Distrito da Guarda

«O comandante Miguel era um homem bom, um ser humano impecável. Ainda estou atónito. Era uma pessoa com um dinamismo fantástico, sempre disponível para ajudar e trabalhar pelos outros. E foi assim que, infelizmente, morreu».

Concelhia do PS Trancoso

Amílcar Salvador, presidente da concelhia, e João Paulo Matias, candidato à presidência da Câmara, subscreveram um comunicado em que repudiam o «bárbaro assassinato do cidadão e autarca Miguel Madeira», adiantando que todas as acções de campanha eleitoral do Partido Socialista no concelho foram suspensas até ontem. Igualmente cancelado foi o comício marcado para domingo em Vila Franca das Naves, em sinal de respeito pela memória do jovem autarca.

Marques Mendes, presidente do PSD

O presidente do Partido Social Democrata, que esteve com Miguel Madeira dois dias antes do trágico acontecimento, em campanha pelo concelho, lamentou a morte do autarca e apelou para que «seja feita justiça».

Luis Martins

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