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Aulas de Substituição

O Ministério da Educação decidiu acabar com os feriados implementando aulas de substituição. Os estudantes e os professores protestaram de imediato, por razões e com motivações diferentes. Que não tem sentido obrigar professores de educação física a leccionar filosofia, dizem os professores; que em vez de estarem na aula de substituição de filosofia, onde não vão aprender nada com o professor de educação física, melhor fariam em ir para casa estudar, acrescentam seraficamente os alunos. Sem o saber, ou com um aparente desprezo pela tradição, o ministério atacava uma antiga instituição do nosso ensino que eu descreveria assim: há aulas que ninguém quer dar nem receber. Numa palavra, não têm mercado.

Com uma coisa concordo desde já. Há que protestar sempre, e falo dos estudantes. A quem não é radical na juventude vai faltar depois alguma coisa na idade maior, nem que seja a capacidade de se revoltar e reagir contra as injustiças, ou aquilo a que nos convenha um dia chamar assim. Há que protestar, mesmo que sem razão nenhuma, mesmo que seja a contar que um dia a memória nos vai esconder os pormenores menos heróicos. Lembro-me, por exemplo, de duas greves estudantis do meu passado de estudante. A primeira em 1975, no Liceu da Guarda, teve a ver com não sei bem o quê e traduziu-se em várias semanas sem aulas. Foi óptimo até chegar o COPCON para restabelecer a ordem. A segunda foi em Coimbra, no início dos anos oitenta, era o Manuel Alegre Ministro da Educação. Também não recordo o motivo, embora saiba que não era por causa das propinas. Lembro-me apenas de um estudante chamar Pateta Alegre ao ministro. A coisa acabou pacificamente e pouco tempo depois. Felizmente já não havia COPCON.

Se me perguntarem como teria eu reagido naquela altura, pelo menos nos tempos do Liceu da Guarda, se me quisessem negar o sagrado direito ao “feriado”, sou obrigado a confessar que a pessoa que eu era na altura teria reagido mal. Era muito melhor andar a passear pelas ruas, ir jogar matraquilhos ou futebol, em alternativa a ficar numa sala de aulas em frente a um professor.

Hoje, que não sou mais aluno mas que tenho filhos em idade escolar, tenho outras preocupações: porque falta tanto a professora de matemática? O que anda a fazer o meu filho quando tem feriados? Haverá traficantes de droga nas redondezas da escola? Pedófilos? Que médias de entrada estão a exigir as boas escolas superiores, aquelas que garantem um futuro?

Aceito a objecção do início. Um professor de educação física não pode, neste mundo imperfeito, substituir cabalmente um professor de filosofia. Mas confio mesmo assim mais nesse professor do que na rua, bem mais perigosa do que a do meu tempo. E ele pode dar uma utilidade, mesmo que pequena, àquela hora. Basta um pouco de imaginação.

Sugestões:

Uma palavra: Proselitismo – o especial talento de conseguir que alguém mude de religião. Para isso dispõe a cristandade de missionários, que os tempos já não são de cruzados. O proselitismo é punido com a pena de morte no Islão, ao menos aquele que se traduz em abandonar a fé muçulmana para abraçar qualquer uma das outras. Posto isto, alguém me explique devagar e com detalhes a visita do Papa à Turquia.

Três canções eternas: I See a Darkness, de Will Oldham (antes de mudar o nome para Bonnie ‘Prince’ Billy), na arrepiante versão de Johnny Cash; Love Comes to Me, de Bonnie ‘Prince’ Billy; Je te Donne, de Léo Ferré.

Um Livro a não perder (assim que saia uma tradução): Against the Day, de Thomas Pynchon.

Por: António Ferreira

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