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Assembleia Municipal – Competente

Vox Populi

Consultada a lei 169/99, que foi alterada pela 5-A/2002, encontra-se no seu artigo 41.º que a Assembleia Municipal é o órgão deliberativo do município.

Diz o artigo 53º, que define as competências deste órgão, na alínea c) do nº1- «acompanhar e fiscalizar a actividade da câmara municipal», na i) nº2 – «autorizar a câmara a adquirir, alienar ou onerar bens imóveis…» e na b) n.º 4 – «deliberar sobre afectação ou desafectação de bens do domínio público…». No capitulo seguinte, no artigo 64, competências do órgão Executivo, pode ler-se na alínea g) n.º 1- «alienar em hasta pública,….,bens imóveis…».

Vem isto a propósito da Assembleia Municipal realizada na terça-feira e que teve como um dos pontos da agenda uma proposta do Executivo, subscrita pelo Sr. Presidente, visando a requalificação da zona do mercado e da central de camionagem. Ora a Assembleia, assim o espero, deve ter presente o quadro das suas competências e não pode nem deve aceitar aprovar o documento em questão sem prévios esclarecimentos, sob pena de estar a subalternizar a sua “competência”. Vejamos algumas das razões que os senhores deputados devem invocar para que o Executivo explicite ou retire a proposta, que carece ser enriquecida, trabalhando melhor os seus contornos, nomeadamente no que se refere ao impacto urbanístico e viário, bem como, e principalmente, aos suportes estratégicos e legislativos que pretendem utilizar para a viabilizar:

1 – Não se encontra na lei 159/99, que se invoca e que estabelece o quadro de transferências de atribuições para as autarquias locais, qualquer competência definida como «recuperação, reconversão e requalificação urbanística». Ora é com este pressuposto, assim mal referenciado, que a TCN, representada em Portugal pela Tramcrone, propôs ao município o desenvolvimento de um projecto que tem como objectivo primeiro a construção de um terminal rodoviário de passageiros com características urbanas e a requalificação do Mercado Municipal, através da sua inserção num novo complexo.

2 – A concretização do projecto passa pela participação do município, com 10 por cento do capital, numa Sociedade Anónima. Como é possível autorizar uma participação em empresa que não é conhecida (só se sabe que tem sede na Guarda), assegurando-se apenas que não tem passivo nem procedimentos judiciais ou ficais contra ela? Que garantias pode uma sociedade que não por quotas, dar sobre o cumprimento do projecto? Não é certo que seja a Tramcrone a ser parceira, admitindo-se ser uma sociedade pertencente ao seu grupo, e a alienação de acções será livre, com excepção para as acções da Câmara, que têm duas condições resolutivas caso a permuta do terreno não se realize ou seja resolvida.

3 – Pede-se a aprovação da permuta de “bens presentes” que são explicitados e a que se atribui um valor global “estimado” (este escrito à mão) de quatro milhões de euros, mas livres de ónus ou encargos. A Câmara aceita ficar responsável por eventuais indemnizações ou encargos que os operadores de ambos os edifícios possam vir a reclamar, no mínimo as obrigações decorrentes dos contratos de arrendamento existentes. Permuta por “bens futuros” que a sociedade se compromete a construir (declara mera intenção), não lhe sendo exigido quer uma garantia de cumprimento de contrato (garantia bancária por exemplo), quer da viabilidade do negócio (sustentabilidade da proposta).

4 – Que objectivo tem a CMG, face aos seus objectivos genéricos, com a participação de 10 por cento na sociedade? Será a lógica de participação em dividendos? A agilização do processo? Como pode um sócio detentor de 10 por cento do capital evitar, até, uma alteração estatutária que pode desvirtuar inclusive o objecto social da empresa?

5 – Que objecto social tem a sociedade a participar – promotora imobiliária, construtora, gestora de espaço comercial e estacionamento? As mais-valias de um negócio destes podem colocar-se em qualquer dos intervenientes, da concepção/projecto, passando pela construção e chegando à exploração. Quem decide quem ganha o quê é sempre quem detém a “maioria” de controlo da sociedade. Que regras será possível introduzir para salvaguarda dos interesses públicos? Atenção ainda à lei 58/98 que condiciona o município na participação no capital de empresas. Apenas é possível em empresas que «prossigam fins de reconhecido interesse público cujo objecto se contenha no âmbito das atribuições da Câmara».

6 – E se tivesse lugar um concurso, como a lei prevê, para alienações patrimoniais públicas, e outro qualquer operador viesse oferecer mais contrapartidas? Perante o documento, pode resumir-se em termos financeiros se se confirmarem as estimativas:

a) A CMG entrega terreno e duas construções (mercado municipal e central de transportes) – valor: quatro milhões de euros;

b) A sociedade entrega duas edificações – um terminal rodoviário novo, um mercado requalificado e os arranjos urbanísticos necessários (estes são sempre da responsabilidade do promotor) que valoriza em 6 milhões de euros. A diferença entre estes valores, em princípio dois milhões de euros, a CMG recebe em dinheiro. Mas admite-se que assim não seja, e caso a Câmara tenha de pagar, então pode não ser em dinheiro.

7 – Um projecto com esta dimensão deveria ter um período público de discussão, como aliás a lei obriga, e deveria ser acompanhado de prévio esclarecimento e avaliação por parte do Executivo, quer junto dos directamente interessados quer junto dos munícipes em geral.

Sete razões para que um projecto necessário, estrategicamente importante, com localização adequada, um volume de investimento e emprego assinalável, tivesse tido uma preparação mais cuidada e uma agora grande exigência por parte da Assembleia Municipal. Não sei, no momento em que escrevo este artigo, que posição adoptou a Assembleia. Mas estou certo que, se por seguidismo partidário ou ausência de interesse sério sobre matéria tão relevante para o nosso futuro colectivo, abdicou dos esclarecimentos necessários a uma boa e sustentada decisão, então não foi “competente”, deixando de cumprir as suas nobres competências.

Por: J. L. Crespo de Carvalho

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