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«As pessoas ainda não estão motivadas porque não entendem os surdos»

Cara a Cara – Entrevista: Emília Ramos Nunes

P – No último sábado comemorou-se mais um Dia Mundial do Surdo. A Guarda oferece condições para a inclusão da sua comunidade de surdos na sociedade?

R – Procuramos dar a conhecer os surdos, através de cursos de língua gestual, para a sua inclusão na sociedade. Nós é que vamos ter com os organismos, e apesar da cidade em si nos dar apoio, as pessoas ainda não estão motivadas porque não os entendem. Ainda assim, há muita gente que se preocupa e procura cursos de língua gestual. Há a preocupação das pessoas entenderem o surdo, mas se um surdo “nosso” for a uma consulta específica no médico ou ao banco tratar de um empréstimo, nós tentamos sempre que vá uma intérprete de língua gestual ou uma formadora da associação. Portanto, eles têm que ser acompanhados, pelo que a cidade ainda não está sensibilizada, porque nós é que vamos ter sempre com as pessoas

P – Quais as principais actividades desenvolvidas pela “Despertar do Silêncio” – Associação dos Surdos da Guarda?

R – Proporcionamos actividades de carácter cultural, formativo e social. Cursos de língua gestual portuguesa, que realizamos dentro e fora da sede, para surdos e ouvintes, ateliers de pintura, bordados e artesanato. Todas as actividades são ministradas por monitores em regime de voluntariado. Temos um projecto que consideramos muito importante, que é “conhecer Portugal”, uma actividade para associados e amigos que consiste em visitas organizadas e orientadas a aldeias, vilas e cidades históricas. Também participamos sempre no Encontro Nacional de Surdos e comemoramos as datas festivas, como os aniversários, o S. João, o S. Martinho, o Dia Mundial do Surdo, o Carnaval, a Páscoa ou o Natal. Aliás, todos os anos organizamos uma missa de Natal, que depois é traduzida em língua gestual portuguesa. Ao nível do desporto, temos uma equipa de futsal que participa em torneios por todo o país. De referir que tentamos sempre um envolvimento com organismos públicos e privados e com outros profissionais ligados a esta área para podermos levar os projectos a bom termo. Tentamos, sempre que possível, facilitar o encontro destas pessoas com familiares e amigos, com o objectivo de partilharem experiências, necessidades e angústias.

P – Quais as grandes dificuldades com que se tem deparado ao longo dos nove anos de existência desta associação?

R – São muitas. Em primeiro lugar, temos algumas dificuldades económicas, ainda que contemos com o apoio de organismos públicos e entidades privadas. Também temos tido dificuldades ao nível da sede, que é da Câmara e está a precisar de bastantes obras. O espaço está um pouco deteriorado e torna-se desconfortável. Devido ao clima rigoroso que se faz sentir no Inverno, por vezes, os surdos também têm alguma dificuldade em deslocar-se até à sede, já que muitos deles não moram mesmo na Guarda. Temos uma carrinha que serve para os transportar para as actividades, mas quando vêm à Guarda é por conta própria.

P – A associação está a desenvolver um projecto de requalificação da sede social. Em que consiste?

R – Não podemos mexer nas instalações, mas temos que falar com a Junta de Freguesia para que a parte de fora do edifício seja pintada, até com a ajuda dos próprios sócios. No interior, também queremos pintar as paredes, resolver algumas infiltrações e outros pequenos arranjos. No fundo, é dar à associação uma “cara lavada”, para que as pessoas se sintam melhor num local mais acolhedor. Isto até se fazerem as grandes obras. Sabemos que o edifício vai ser reconstruído com vários pisos e o rés-do-chão fica a pertencer à associação.

P – Que outras ambições tem a associação?

R – Costumamos fazer intercâmbios com outras instituições em Portugal e no próximo ano queremos fazer o mesmo com associações no estrangeiro. Os surdos precisam de motivações, e a maior é colaborarem em actividades, é encontrarem-se com outros surdos de outras associações. De tal forma que sempre que saímos em passeio, a primeira coisa que querem é encontrar os surdos do local onde estão. Queremos também continuar com o projecto “Ri-bombar – Escola de percussão para surdos” e criar um grupo de expressão dramática. Portanto, podemos dizer que a nossa maior ambição é continuarmos a ser solidários.

P – Quantos associados têm?

R – Temos cerca de 250, entre surdos, familiares e amigos.

Emília Ramos Nunes

«As pessoas ainda não estão motivadas porque
        não entendem os surdos»

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