Antes de me estender a mão limpou-a nas calças.
Tinha-a gelada, olhos negros e frios. Um jeito duro de quem a vida parecia não ter tido contemplações.
– Tenho saudades das minhas filhas. Preciso vê-las. Tenho esse direito e não me querem deixar vê-las. Eu sei que são pequenas, mas preciso vê-las, mesmo que não fale com elas … só abraçá-las, sentir-lhes o cheiro. É só isso que quero, acha muito?
Disse isto tudo de uma só vez quase sem respirar. O seu tom era sério e firme.
Olhava-me muito dentro dos meus olhos como se pensasse que assim podia ler-me os pensamentos.
Não sei porquê, mas aquele homem provocou-me medo.
Certifiquei-me com o olhar que o guarda não estava muito distante de nós e envergonhei-me quando disse:
– Está com medo? Não a chamei aqui para fazer-lhe mal. Só quero que consiga com que me deixem ver as minhas filhas.
Aquilo não era um pedido.
Apresentei-me. Sentei-me e indiquei-lhe a cadeira onde se deveria sentar.
– Está aqui porque…
– Matei a minha mulher. Não me arrependo. Era má mulher. Má mãe e má pessoa. Estou a pagar por isso.
– E as suas filhas…
– Não sei. É isso que quero saber. Onde estão, com quem e porque não posso vê-las.
Era muito simples. Era a isto que eu tinha de responder e apesar de ainda nada saber conseguia imaginar o porquê de o não deixarem ver as filhas.
Podia ter-lho dito, ter-lhe feito inúmeras perguntas, mas percebi logo que não era isso que pretendia. Aquele homem não estava ali para conversar. Sabia que eu não tinha respostas, que precisava de tempo, por isso:
– Tem aqui o número do processo.
Levantou-se. Voltou a limpar a mão antes de a estender. Virou costas e nunca mais o vi.
Já no balcão da secretaria do Tribunal, as minhas pernas tremiam e conseguia ouvir o bater descompassado do meu coração. Nem sabia o que havia de pensar ou sentir. Primeiro, uma raiva imensa, mas depois uma pena ainda maior.
Aquele homem era um monstro. Um louco. Um psicopata… Não era eu que tinha qualificações para responder. Mas percebi que o amor pelos filhos, demonstrado naquela forma inexplicável, é maior do que tudo o resto. Maior do que alguma vez se poderá tentar dizer por palavras. Por isso respondi-lhe:
“ Ex. Sr. M…
Conforme solicitado por V. Exa. venho informá-lo que, após ter consultado o seu processo no Tribunal, estou em condições de lhe responder às questões que me foram por si colocadas:
Foi V. Exa. julgado e condenado no processo referido por homicídio qualificado pela morte por enforcamento da sua mulher e das suas duas filhas a uma pena única de 25 anos de prisão.
Com os melhores cumprimentos
A Advogada”
Por: Carla Freire