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As heroínas do Chile – parte 2

São heroínas, como é possível apreciar pela imagem. Cansadas, tresloucadas, acompanhavam os seus homens, na guerra como no trabalho.

Dona Javiera Carrera não era cantineira. Foi uma mulher aristocrata que ambicionava o poder para a família. Há o ditado que diz: Por detrás de um grande homem, há sempre uma grande mulher

Francisca Javiera Eudocia Rudecinda Carmeno chamada também Dolores de la Carrera y Verdugo2 4, nasceu a 1 de Março de 1781 na cidade de Santiago. Foi a primogénita do casal formado por Ignacio Carrera y Cuevas e Dona Francisca de Paula Verdugo Fernández de Valdivieso y Herrera4, pertenciam à aristocracia colonial. Recebera a educação tradicional ensinada, normalmente, aos homens da sua condição social. Destacou-se pela sua especial inteligência (nota: as referências não as apago por serem hiperligações que orientam para outra ligação).

Casou com Manuel de la Lastra y Sotta em 1796,2, tiveram dois filhos, ficando viúva aos dezanove anos de idade.

Em 1800 casou em segundas núpcias com Pedro Díaz de Valdés2 , advogado espanhol chegado a Santiago como regedor e assessor da Capitania Geral. Tiveram cinco filhos.

Os bem conhecidos factos de 1810, a libertação da coroa de Espanha, não a colocaram à margem, pelo contrário, convertendo-se no motor patriótico da sua família, passando a ser uma figura bem conhecida para os patriotas e entre o povo que ansiava a liberdade. Assistia a todas as comemorações, quer realistas quer as de raiz militar criolla. A sua acção foi tão significativa, que entre os revolucionários se usava a frase “viva la Panchita” como contra-senha. Ajudava a levantar os espíritos em momentos de derrota, transformando-se na heroína da Pátria Vieja. Bonita e de forte carácter, escondia soldados na sua casa, e estava encarregada de receber, de noite e de madrugada, as carretas conduzidas pelos “huasos” carregadas de armas para serem distribuídas na cidade.

Era apaixonada, dominante e astuta nos seus movimentos. Apoiou os seus irmãos José Miguel, Juan José e Luís, sendo a ambição da sua vida conseguir que fossem patriotas e não aristocratas realistas, jogadores e mulherengos. Maria Graham descreve a Javiera com estas palavras “la hermana de José Miguel aspiraba a hacer de él un Napoleón, arrancándolo a la aturdida y borrascosa vida de joven calavera y dirigiéndolo hacia las metas del poder y la gloria”. Inteligente e ambiciosa, foi a ideóloga dos planos de luta para libertar o Chile. Era uma mulher que não sabia perdoar desacatos, preguiça e falta de interesse pela Pátria, para o que suava a sua natural sagacidade e habilidade.

Diz a tradição que a bandeira pátria teria sido bordada por ela, sendo presenteada e içada pela primeira vez a 4 de Júlio de 1812, na presença do cônsul estado-unidense Joel Roberts Poinsett, no aniversário da independência desse país.

A sua personalidade e conduta avivaram ódios e amores, recebeu como alcunha a “jaiba” (sapateira em luso português), nome vulgar que se dá a vários caranguejos do mar. A relação que manteve com Bernardo O’Higgins foi sempre crítica: denominava-o “el huacho Riquelme”, referindo-se à sua condição de filho ilegítimo. Nunca pensou que tinha sido reconhecido pelo seu pai, o Vice-Rei do Peru, Ambrósio O´Higgins e pela sua mãe, após o matrimónio desta de forma aristocrática. Não dissimulou o rancor que sentia por José de San Martín, Toribio de Luzuriaga, Juan Martín de Pueyrredón, Tomás Godoy Cruz, pelos Larraín, e a Lógia Lautaro, considerava que todos eles eram os promotores da queda política, social e económica da sua família.

Em 1814, momento em que a Espanha reconquisto Chile, Javiera abandona o seu esposo e filhos para se auto-exiliar e seguir os passos dos seus três irmãos. Com eles, foi morar nas Províncias Unidas del Río de la Plata, viveu em Mendonça, para, mais tarde, se mudar para Buenos Aires. Foi recebida pelo Padre Bartolomé Tollo, antigo amigo da família.

A sua vida em Buenos Aires foi-lhe difícil, surgem problemas de saúde e desastres financeiros. Iniciou uma relação sentimental com o capitão David Jewett.

Dirigiu a chamada “conspiración de 1817” contra O’Higgins, que lhe causou o fuzilamento dos seus irmãos Luís e Juan José em 1818, em Mendonça.

José Miguel volta dos Estados Unidos, vê-se envolvido nas disputas internas dos caudilhos das Províncias Unidas del Río de la Plata, Javiera Carrera é desterrada para Luján e, depois, para São José de Flores, localidades nas imediações de Buenos Aires, até ser internada num convento da capital.

Libertada, em 1819, refugia-se num barco português ancorado no porto de Buenos Aires e parte para Montevideu. Recebe a notícia, em 1821 do fuzilamento de José Miguel, em Mendonça, por causa das montoneras por ele organizadas na Argentina. A sua saúde fica em perigo “se enflaqueció su cuerpo hasta parecer un esqueleto, amoratósele el rostro, rompiéronsele los labios, perdió el cabello…”.6 Fonte:Encina, Francisco Antonio; Leopoldo Castedo. «La primera dictadura». Resumen de la Historia de Chile, III (13ª edición), Santiago de Chile: Zig-Zag. p. 527.

Nega-se a voltar para o Chile enquanto governasse Bernardo O’Higgins: considerava-o o principal culpado, gritando para quem quisesse ouvir, que não regressaria enquanto “ese asesino gobierne mi pátria”. Em 1824, depois da abdicação do Director Supremo, Javiera Carrera, embarca em Valparaíso, depois de dez anos de ausência.

Assim fica esta pinga amores, libertária e amante da sua família. Quem foi emblema da liberdade do Chile, a patriota, o santo-e-senha da Pátria, Manteve-se em retiro até aos seus últimos dias na sua hacienda de El Monte, concentrando-se na vida doméstica e em obras de caridade5 . Repatriou o corpo dos seus irmãos em 1828 na presidência de Francisco António Pinto. Fonte: Las mujeres en la Independencia de Chile. Javiera Carrera

Faleceu na sua hacienda de Santiago, a 20 de Agosto de 1862. Desde 1952, o seu corpo repousa junto aos dos seus irmãos na Santiago2.

Os Carrera foram patriotas ousados e firmes, lutaram pela liberdade do país, mesmo sendo os seus hábitos aristocratas são pessoas de que se fala imenso, são venerados como libertadores do Chile. Os tempos eram contraditórios. Era uma República em formação, havia ideias monárquicas, patriotas e criollas. Apenas com o castigo da ditadura, é que a República passou a ser um país calmo, especialmente sob a Presidência de outra heroína, Michelle Bachelet. Quase duzentos anos depois da sua independência, devida aos heróis nomeados, especialmente essa inteligente e patriota cabeça de grupo, Javiera Carrera, ainda amada, conhecida e reconhecida pelo povo, que a venera.

O´Higgins, San Martín, Jaraquenada, Manuel Rodríguez, os Irmãos Carrera, Allende, Salvador e a sua mulher Tencha, Aylwin, Lagos e Bachelet, e as heroínas anónimas, libertaram o Chile em quatro períodos diferentes. Merecem o nosso respeito e saber das suas vidas como pessoas que facilitam a nossa serenidade, paz e liberdade, com o PIB mais alto da América Latina.

Por: Raúl Iturra

As heroínas do Chile - parte 2

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