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As gravuras vistas do rio

Painéis até agora inacessíveis ao público podem ser visitados a partir de 1 de Julho

Visitar as gravuras paleolíticas implica fazer uma espécie de “safari”, primeiro num veículo todo-o-terreno e depois num sob-e-desce por trilhos pedestres feitos de xisto. Agora também já é possível ir de barco pelo rio Côa ou à noite para descobrir gravuras rupestres datadas de há 25 mil anos e até agora inacessíveis ao público. Tudo em simbiose com a natureza, a partir do dia 1 de Julho.

O passeio de barco pode começar entre a Canada do Inferno – junto ao local onde se iniciou a construção da polémica da barragem – e a Quinta da Ervamoira, uma exploração vinícola nas encostas do Douro Superior. Todas as visitas são feitas de manhã, por causa da luminosidade, mas há várias combinações. Os novos roteiros giram à volta das visitas a um ou mais núcleos de gravuras rupestres – Canada do Inferno, Ribeira de Piscos e Vale de Figueira. O que inclui, ou não, o almoço na Quinta da Ervamoira, conforme as opções e as bolsas. O passeio mais simples que inclui a visita a um núcleo e passeio de barco, custa 15 euros por pessoa. O mais completo oferece o passeio por todos os núcleos, almoço e a visita ao Museu da Quinta da Ervamoira, por 50 euros. Com descontos para as crianças. E gratuitos para os habitantes das freguesias do concelho de Foz Côa. O passeio pode durar entre três horas a um dia inteiro, com os preços a variarem conforme os trajectos. Para tal basta reservar previamente através do Parque Arqueológico do Vale do Côa, onde «já existem algumas inscrições», regozija-se Alexandra Cerveira Lima, directora do PAVC. Para mais tarde fica a possibilidade dos visitantes entrarem pela foz do rio Côa: «Temos ponderado essa hipótese mas, para já é complicado por causa do caudal do rio», justifica a responsável. As visitas vão funcionar o ano inteiro, mas nos meses do Inverno poderão ser interrompidas por causa das condições climatéricas.

Para Alexandra Lima, estas propostas representam um novo atractivo para o PAVC, pois os visitantes podem «usufruir do património representado pelas gravuras, associado à riqueza da paisagem, à gastronomia e à produção excelente de vinhos». Para já ainda não é possível desembarcar em Vale de Figueira, mas «já foi pedido um cais para aquele local», assegura. Ali, os visitantes poderão depois sair do barco e observar o novo painel, que só está acessível por via fluvial. Tudo começa com a descida do rio Côa, numa viagem de quinze minutos com paragem obrigatória em Vale de Figueira. Na margem esquerda, a grande rocha gravada com motivos paleolíticos salta à vista, não só pelos andaimes, pois «ainda está a ser estudada», conta a directora, mas também pelas gravuras. Perto do núcleo identificam-se três painéis com gravuras picotadas e incisas. Um deles está parcialmente submerso pelas águas. «As gravações representam figuras de auroques e quadrúpedes e um interessantíssimo sinal», aponta António Martinho Baptista, director do Centro Nacional de Arte Rupestre (CNART), acrescentando que estas representações são atribuíveis «estilisticamente» à fase antiga da Arte do Côa. Ou seja, terão entre 25 e 18 mil anos. Um dos aspectos mais interessantes de alguns destes auroques picotados reside no facto de estarem aparentemente incompletos, «devendo as partes desaparecidas terem sido originalmente pintadas», adianta o director.

Visitas ao luar

Quanto às visitas nocturnas vai ser feito um passeio experimental com um grupo de jovens da Muxagata, já na próxima semana, «que funcionará como um teste», conta Alexandra Cerveira Lima. Mas as visitas regulares estão previstas arrancar no início de Julho. Para já, só podem ser feitas em noites de lua cheia «e na Penascosa», adianta a directora do PAVC. Relativamente aos centros de interpretação, o que está previsto por enquanto são visitas guiadas a partir de várias freguesias. Há uma visita complementar às gravuras a partir de Almendra que entrará em funcionamento «muito em breve», garante. Também a possibilidade de se fazer uma visita nocturna de barco «está em análise», acrescenta. Todas estas alternativas, porque o número de visitantes ao parque arqueológico tem vindo a diminuir. Em 1997, o primeiro ano, registaram-se cerca de 20 mil visitantes, mas este valor tem decrescido «significativamente» desde então: «Talvez por causa da crise económica», justifica Alexandra Cerveira Lima. «O último ano não foi nada bom, por várias razões, mas agora estamos a criar percursos alternativos e mais competitivos», diz, confiante. Para breve está a criação legal do PAVC, «com competências sobre o território à semelhança dos parques naturais», adianta.

Tesouro paisagístico em risco

A tipologia da arte do Côa baseia-se em representações de auroques, cabras, veados e cavalos, «por causa do clima desta região», explica António Martinho Batista,director do CNART, acrescentando que esta era a fauna que alimentava os homens de há mais de 25 mil anos. Os auroques foram os precursores dos actuais touros e, segundo este arqueólogo, foram extintos no século XVII. No meio deste tesouro arqueológico, há ruídos que colocam em risco a paisagem natural. Em vez do chilrear dos “papa-figos” ouve-se as pedras da escombreira junto às gravuras da Canada do Inferno. Mas, como as pedreiras são muito antigas e fundamentais na região, Alexandra Cerveira Lima acredita que «aquela exploração está para terminar». Um dos graves problemas que está atingir estas representações paleolíticas é a degradação do xisto, por isso já estão a ser estudadas técnicas “in loco” para a sua conservação. Segundo, António Martinho Batista, a zona do vale do Côa «foi o berço dos maiores artistas da época na Península Ibérica».

Patrícia Correia

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