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As flores, os sábios, os parvos e os outros

Crónica Política

Parece que terminou a festa. Embora alguns lhe chamem circo ou coisas piores, e achem que é agora que ela vai começar a sério. Na Guarda, com festa ou sem ela, mas seguramente com muitos pendões e flores à mistura, ficou tudo mais ou menos na mesma.

Um dos aspetos basilares da democracia é que o direito a votar é igual ao de se poder ser eleito. Outro é que todas as propostas em discussão tenham o mesmo destaque e divulgação. Outro ainda é que os meios envolvidos sejam equilibrados e paritários. Tudo isto, claro, em teoria, e sem prejuízo de outras condições que nem abordo.

Sempre que as coisas não são assim, não há verdadeira democracia, a não ser que se confunda a dita com folclore eleitoral. Não me refiro sequer às chamadas às urnas com recurso a passagens pagas, de avião ou de autocarro. Nem ao facto de haver candidaturas a gastar dez vezes mais do que outras, como se uma equipa jogasse com 7 jogadores e a outra com os 11 efetivos e todos os suplentes. Ou ao pormenor de a detenção do poder e a possibilidade de distribuição de tachos e de benesses não ser alheia a certas e curiosas transferências interpartidárias, com influência notória nos resultados. Ou, ainda, a de muita da nossa comunicação social ser tão isenta como um judeu ortodoxo a perorar numa sinagoga de Israel acerca da criação de colonatos na Palestina ocupada.

Refiro-me, naturalmente, à essência da democracia e à visão que sobre ela tem o nosso povo. Ou àquela que não tem…

Não vou tão longe como o cientista político Jason Brennan, que afirmava há uns dias à revista “Visão” que «quando obrigamos todos os cidadãos a votar, inundamos as urnas com os menos informados» e que «do mesmo modo que não queremos pôr os bêbados a conduzir, também não queremos pôr os ignorantes a votar».

Mas a crueza e a frontalidade das posições de Brennan, associada a factos históricos que infelizmente lhe concedem alguma razão (recordam-se, por exemplo, de Hitler, eleito democraticamente?) não me impede de lhe conceder pelo menos o benefício da dúvida quando afirma que «a democracia é, de forma irrealista, julgada pelas suas intenções e não pelos seus resultados».

Não é por acaso que Álvaro Amaro incumpriu a maior parte das suas promessas eleitorais anteriores (ou pelo menos as mais importantes) e, ainda assim, alargou a sua margem eleitoral. Ou que Isaltino Morais, cuja principal obra cidadã foi ter sido condenado e preso por fraude fiscal, abuso de poder e corrupção, fez o mesmo. Ou que José Sócrates, um dos principais responsáveis pela situação económica em que Portugal se afundou (há muitos outros, de vários partidos…), é recebido e tratado como uma celebridade em colóquios, palestras e outros eventos do género. Ou que…

A emergência dos populismos em democracia segue a par das claques de seguidores e dependentes. Basta ler uma biografia de um qualquer famoso ditador da história para se perceber que não há império sem imperador, tal como não há imperador sem guarda que o proteja. E esta máxima aplica-se a todos os níveis da política, sendo particularmente evidente ao nível local, com os tiranetes de serviço a rodearem-se de uma corte de seguidores afogados em negociatas, compadrios, dependências e outros mecanismos mais ou menos legais, mas sempre moral e eticamente muito duvidosos.

A democracia, excluindo a supramencionada opinião de Brennan, é o sistema que parece ainda assim ser menos mau, mesmo com todos estes defeitos e jogo sujo à mistura. E por isso cada povo tem aquilo que merece, o que, olhando para a situação em que nos encontramos, na Guarda também, sugere que não temos sido muito bons a fazer escolhas.

Democracia é autogestão, decisão popular, consciência política, envolvimento e fiscalização cívicos constantes. Se consistir apenas em ir-se votar de vez em quando, cai-se no risco de perpetuar a casta, no âmbito de um modelo de representação formatado exatamente para isso. E nesse caso é, como dizia Sartre, «uma armadilha para parvos».

Por: Jorge Noutel

Comentários dos nossos leitores
Mike Mikealfa@hotmail.com
Comentário:
Na realidade a Guarda é uma armadilha. Já fui 3 vezes à Câmara em 12 dias e nunca consegui falar com o Presidente. Já que tenho de ir às consultas a Coimbra vou ver se por lá encontro o amigo da Guarda. É fácil correr com potenciais investidores, dizem que desde 1 de Outubro nunca mais foi visto por estas bandas.
 

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