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As eleições autárquicas, os abstencionistas e o governo das autarquias: uma perspetiva algo humorística

Em princípio os resultados das eleições traduzem a vontade do povo e por isso quem as vence tem o direito democrático de governar e de segurar o leme do barco em que navega. Contudo, põe-se o problema: e se houver mais de 50% de abstencionistas? E mesmo que não sejam mais de 50% se estes tiverem maior expressão do que o partido mais votado (incluindo as listas de independentes)? E se o número dos que votam branco ou nulo for relativamente elevado? Será que a legitimidade democrática para governar ainda se mantém? A verdade é que neste caso em rigor a maioria do povo não votou ou não decidiu as eleições e por isso o governo que sair destas (eleições) não resulta da vontade da maioria mas da vontade da minoria que o elegeu. Ora esta situação ocorre na maioria dos municípios do país e também da região como veremos abaixo. Esta questão deve preocupar-nos a todos pois podemos estar a caminhar para governos que decidem por nós sem representarem efetivamente a maioria dos eleitores, antes representando a minoria que os elegeu.

Há muitos casos em que isso já ocorre. Olhando as estatísticas das eleições ocorridas desde o 25 de Abril de 1974 o peso dos abstencionistas – os que não votam – tem vindo a aumentar e ele supera já os 50% em diversos municípios (particularmente se as eleições em causa forem para o Parlamento Europeu em que os eleitores estão menos informados/motivados do que está em jogo nessas eleições, apesar de ser este órgão legislativo da União Europeia (UE) que cada vez mais decide o nosso futuro nos hemiciclos de Estrasburgo e de Bruxelas mas que os nossos cidadãos e de outros países (porque os outros não são diferentes de nós) ignoram frequentemente talvez por não terem suficiente informação ou por não se reverem nas decisões que esses hemiciclos tomaram até ao corrente momento.

Mas voltando às últimas eleições autárquicas é minha convicção que individualmente e com algumas honrosas exceções, o partido ‘abstencionista’ foi o grande vencedor das eleições municipais. E, contudo, esse partido maioritário não vai ficar representado em nenhum governo camarário nem vai deter qualquer presidência de câmara ou ocupar um simples lugar de vereador.

Para comprovar a minha teoria de que estamos a ser governados por minorias vejamos os últimos resultados das eleições autárquicas comparando caso a caso as percentagens de votos no partido mais votado e no ‘partido abstencionista’: o gráfico seguinte mostra esses resultados podendo ver-se facilmente que no distrito da Guarda o partido mais votado é o PS com 24.5% do número de eleitores contra os 34.4% do ‘partido abstencionista’, logo +9.9% a mais deste último ‘partido’. Da mesma forma no distrito de Castelo Branco o partido mais votado é o PS com 24.6% do número de eleitores inscritos nos cadernos eleitorais contra os 38.1% do ‘partido abstencionista’, logo +13.5% de abstencionistas.

Resultados das eleições 2013 (distritos Guarda e Castelo Branco)

Deixando o nível distrital e passando para o nível concelhio e fazendo a mesma análise temos os resultados que se podem ver no gráfico seguinte para os concelhos da Guarda, Covilhã, Seia, Sabugal e Castelo Branco, apenas 5 concelhos da Beira Interior. O gráfico mostra e a folha Excel confirma que os partido mais votados no concelho da Guarda, o PSD e o CDS associados, obtiveram apenas 30.6% do voto do número de eleitores quando a abstenção chegou aos 35.7% (+5.1%), que na Covilhã o partido mais votado, o PS, chegou aos 22% mas o ‘partido’ abstencionista alcançou os 37.8% (+15.8%), que em Seia o PS, que ficou em primeiro lugar, obteve 31.4% dos votos contra os 38.8% dos abstencionistas (+7.4%), que no Sabugal o PSD obteve 26.1% dos votos contra os 39.6% que se abstiveram (+12.5%), e que em Castelo Branco o PS obteve 31.3% dos votos contra 45.6% de abstencionistas (+14.3%).

Resultados das eleições 2013 (alguns concelhos):

Em função dos valores apresentados não temos dúvidas em afirmar que vamos ser governados por minorias pois as percentagens de votos que os elegeram estão entre os 22% na Covilhã e os 31.4% de Seia, enquanto o partido maioritário, o abstencionista, com representações que oscilam entre os 34.4% do distrito da Guarda e os 38.1% do de Castelo Branco ou entre os 35.7% do concelho da Guarda e os 45.6% do concelho de C. Branco.

Um entre parêntesis para referir que os resultados permitem ainda concluir que o PS é o partido mais votado tanto no distrito da Guarda quanto no de Castelo Branco com valores muito próximos (diferença de 0.1%), que apesar disso na Guarda, em número de autarquias é o PSD com ou sem o CDS que lidera com 6 presidências contra 5 do PS, e que no distrito de Castelo Branco impera também o PS em 6 presidências contra 3 do PSD com ou sem CDS.

O quadro e gráfico seguintes mostram a distribuição dos votos brancos e nulos nos cinco municípios da BI que temos vindo a referir e nele se pode ver que a percentagem de votos brancos oscila entre os 1.7% do Sabugal e os 2.9% de Seia e que a percentagem de votos nulos oscila entre os 1.6% do Sabugal e C. Branco e os 2.7% da Guarda.

c.guarda c.covilhã c.seia c.sabugal c.branco

brancos % 0,021 0,021 0,029 0,017 0,021

nulos % 0,027 0,017 0,017 0,016 0,016

Não quero terminar sem especular um pouco acerca do significado das abstenções dos votos brancos e dos votos nulos. Em minha opinião os abstencionistas são conformados, pessoas mais velhas a quem pouco dizem as eleições, comodistas que não se dão ao trabalho de ir votar, indiferentes e analfabetos que não se sentem confortáveis a exercer o seu direito de voto. Os votos brancos são votos de pessoas interessadas que se dão ao trabalho de ir votar mas que como protesto contra o estado de coisas decidem não identificar nenhum dos partidos, revoltados que aproveitam este meio para manifestarem a sua revolta, indivíduos que não estando informados para escolherem mas pressionados para votarem acabam por deixar o voto em branco. Os votos nulos são votos de pessoas apressadas ou que vêm mal e que colocam a cruz fora do local indicado e também podem ser ‘protestantes’ que não se revêm nestas eleições e decidem anular o seu voto manifestando assim o seu inconformismo.

Por: José R. Pires Manso

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