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As comemorações do centésimo aniversário do Hospital de Sousa Martins Ou da necessidade da História

Está duplamente de parabéns a Direcção do Hospital de Sousa Martins. Em primeiro lugar porque, no seu centésimo aniversário, recebeu, e toda a região da Guarda, reconhecida, agradece, a certeza de melhores instalações para o Hospital e a permanência da Maternidade na cidade; em segundo lugar, porque comemorou condignamente a ocasião, fazendo recordar como terá sido a cerimónia da vinda dos reis D. Carlos I e D. Amélia – agradavelmente reinventada pelo TMG – por ocasião da sua inauguração.

Mas esta comemoração constituiu também uma ocasião para reflectirmos sobre quão afastados vivemos geralmente da nossa História, sem a conhecer ou, pelo menos, sem a sentir como fazendo parte de nós. Percebemos que, através da representação, do teatro, a História adquiriu realidade e as crianças, que no início perguntavam “Que rei é aquele?”, ficaram a saber quem ele era; e outras, que passaram a percepcioná-lo como “pessoa”, perguntavam, ao ver a rainha falar: “Mas, e ele, não fala?”

Numa época em que as imagens têm a predominância e o impacto que conhecemos, é assim que se ensina, é assim que mais facilmente se aprende – transformando factos não vividos, em realidade tangível.

Quer gostemos quer não, fazem parte da nossa identidade como povo, entre muitos outros, um período de ditadura salazarista, em que se coarctou a liberdade de expressão a todos os opositores, e em que houve uma guerra pela manutenção das colónias a que aos filhos dos ministros e de outros protegidos do regime era dado eximir-se; uma revolução republicana, anti-clerical e elitista, cujo primeiro presidente era primo direito do rei a quem sucedeu; um conflito entre absolutistas e liberais, em que dois reis, irmãos, se digladiaram por ideais opostos; um período com escravatura; um período com Inquisição; um período em que fomos legitimamente castelhanos; um período em matámos para conquistar terras que eram de outrem, arrogando-nos um direito supostamente divino de o fazer; um período em que traímos os nossos compromissos de vassalagem ao rei de Leão e Castela e proclamámos a independência. Tudo isto, e muito mais, fizemos nós, portugueses, para além de descobrirmos o caminho marítimo para a Índia. Tudo isso faz de nós Portugueses.

Neste centenário, nós, o povo, fomos confrontados com o mundo da monarquia. Diabolizada pela República, em redor da monarquia foi-se criando uma imagem que reflecte algo de arcaico ou obsoleto e, por vezes, de ridículo e quase relegado para o foro do maravilhoso infantil. Esquecemo-nos que os ingleses a mantêm, que os espanhóis também e que outros países lhes seguem no encalço. São países tão ou mais desenvolvidos do que nós. Esquecemo-nos, ou talvez nunca essa realidade tenha caído em nós, que uma rainha, D. Amélia, mulher e estrangeira, há cem anos, pudesse, em primeiro lugar, ter a iniciativa de realizar um projecto de saúde deveras avançado para a sua época e, em segundo lugar, que com esse projecto pugnasse pelo bem-estar do povo de um país que originalmente não era o seu. Uma grande mulher e um grande projecto. E D. Carlos I, igualmente de louvar, um homem que não se deixou afrontar pela visão e determinação de sua mulher – o que é nobre e ainda hoje pouco comum entre os homens portugueses. Isto constituiu uma realidade, independentemente de nos considerarmos ou não monárquicos, de nos revermos ou não nos ideais da República.

É importante que olhemos a nossa História de frente, desassombradamente, para conhecer e assimilar o que de bom e de menos bom houve em qualquer das suas épocas. Conhecendo os seus pontos positivos e negativos, seremos capazes de a integrar em nós, como parte da nossa identidade. Talvez consigamos, depois, ser mais tolerantes para com a diferença e mais justos nas nossas decisões. E também, quem sabe, consigamos seguir alguns modelos e evitar alguns erros.

Por: Luísa Queiroz de Campos

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