Arquivo

As Coisas São Como São

É detestável verificar que a alternância democrática significa pouco mais do que a distribuição de tachos pelos inscritos no sistema. Ganhas tu, nomeias os novos responsáveis pelos lugares do costume; ganho eu, ponho os que nomeaste na rua e substituo-os pelos meus. Mas não só isso, que também as empresas se vêem envolvidas. As que estiveram ao lado de quem ganhou vão lucrar, em contratos, subsídios e prazos de pagamento, em detrimento das outras, das que vão ficar a ver.

Do mais baixo ao topo é isto que vai acontecendo, de ciclo eleitoral para ciclo eleitoral. No topo, então, é já evidente que os cargos ministeriais são meros trampolins para os conselhos de administração das grandes empresas onde os que foram ministros vão passar a ganhar em meses o que não ganharam, honestamente, em toda a legislatura que os “habilitou” ao cargo. No meio deste lamentável jogo acabam por se sujar todos, mesmo os que acabam por ser escolhidos por simples mérito.

É claro que a alternância, não sendo um valor em si, é uma garantia. Na Grécia antiga, essa alternância era levada a tal ponto que era enorme a probabilidade de cada cidadão livre de Atenas ter de desempenhar pelo menos um cargo público durante a sua vida. Não havia os vícios que traz o poder, mas arriscava-se um tanto na eficácia do desempenho. Por outro lado a história ensina-nos que o sistema não vingou, e por alguma razão terá sido. Mesmo assim, têm os gregos a seu favor a circunstância de que tais cargos eram desempenhados gratuitamente e em estrito cumprimento de um dever de cidadania.

Pior está a Grécia de hoje, levada à bancarrota precisamente pelo excesso de servidores públicos e pelo elevado custo do seu duvidoso desempenho. Pior estamos nós também, e pelas mesmas razões, e também a caminho da bancarrota. Podemos até dizer que o nosso sistema político é uma corruptela de um verdadeiro sistema democrático e dos mais básicos princípios da livre concorrência – e é a verdadeira razão de termos chegado à actual crise.

Uma maneira de definir o que está aqui em causa é esta: o Estado serve para resolver os problemas dos cidadãos e da Nação, não é um instrumento para a promoção pessoal dos políticos e dos seus familiares e amigos. Isto parece tão evidente que até dá raiva, mas é algo que está ainda muito distante da prática dos partidos do chamado arco da governação, mesmo na pior crise da nossa história recente. Se não fosse assim, Ana Manso não teria nomeado o próprio marido como auditor da ULS da Guarda (para a auditar, ou fiscalizar, a ela), e o Ministro da Saúde, em lugar de a mandar revogar a nomeação, tê-la-ia demitido.

Por: António Ferreira

Sobre o autor

Leave a Reply