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As cinzas depois das chamas

A zona do Sabugueiro, em Seia, está hoje devastada por um dos grandes fogos que atingiram a Serra da Estrela este ano

Diz quem viu de perto que foi «um pandemónio». Em três dias, a zona do Sabugueiro, no concelho de Seia, foi completamente devastada pelas chamas. O incêndio, que começou em Aldeia da Serra, atravessou muitos hectares de floresta de várias outras aldeias vizinhas. Muitas famílias viram, há duas semanas, o trabalho de uma vida destruído em poucos minutos. Hoje sobram cinzas.

Começou na Aldeia da Serra, subiu a encosta da Senhora do Espinheiro, passou por Perdigueiros, Porcas, Póvoa Velha, Póvoa Nova, e praticamente destruiu a floresta do Sabugueiro, no sopé da Serra da Estrela. António Ramos foi um dos mais afectados. Cem metros de mangueira derretidos ao calor das chamas parecem pouco, quando comparados com os cerca de seis hectares perdidos, entre pinheiros, carvalhos e castanheiros. O agricultor conta que tudo se passou «em pouco tempo, porque o vento também soprava com grande intensidade», diz. «O fogo atravessava a estrada que vai para Seia e tocava a copa dos pinheiros. Parecia um pandemónio», lembra. E porque o fogo chega sempre antes dos bombeiros, a população saiu à rua para tentar salvar o que podia. «Tivemos que acudir às casas, porque estavam em perigo. Depois das casas, acudiu-se onde se pôde», explica. Mas «onde se pôde» acabou por não ser suficiente. Salvaram-se vidas e as habitações. «A minha mulher já me dizia que eu andava a trabalhar e que um dia ardia tudo, e passou-se tal e qual como ela disse», lamenta. «Agora já não tenho vontade de plantar», desabafa António Ramos. Quando pensa nos incendiários, não hesita: «São criminosos. Morre gente, põem tudo em alvoroço, e destroem a floresta, que é um bem de todos». E se tivesse poder para tal, já tinham o destino traçado: «Esses tipos iam para a cadeia, de dia plantavam árvores, de Verão regavam ou cortavam o mato, e à noite regressavam à cadeia. Mas era até plantarem tudo. Alguns tinham prisão perpétua», garante.

Antes do fogo chegar ao Sabugueiro, Eduardo Valente via – impotente – as chamas consumirem-lhe cerca de cinco hectares de terreno e mais de 1.500 árvores, na aldeia vizinha de Póvoa Nova. «Fiquei praticamente sem nada, os pastores sem comida para os animais e foi uma zona bonita que desapareceu toda com este fogo», lamenta. Tal como António Ramos, insurge-se contra os autores deste tipo de crimes. «As pessoas que fazem isto são más e não têm um pingo de consciência. Não mereciam estar cá, porque destroem aquilo que a natureza nos dá e que nós vamos conservando», diz revoltado. Quando olha para toda a zona devastada, lamenta: «Provavelmente já não estarei cá quando estes terrenos se recuperarem todos».

Poucos instantes antes do fogo chegar a Póvoa Nova, também os terrenos de António Rodrigues sentiram a fúria das chamas, na aldeia vizinha da Póvoa Velha. «Estava a arrancar batatas e vieram pedir-me ajuda. Não tivemos quem nos ajudasse, e o fogo chegou às casas. A certa altura a GNR não me deixou aproximar do meu terreno e quando lá cheguei já estava tudo ardido», lamenta. Para além de três hectares de terreno, diz ter perdido «os dias», para além de ter de «ajudar a pagar a despesa do material de apoio ao combate do incêndio que se mandou vir para a população». O agricultor reclama também não ter tido toda a ajuda necessária. Para além de terem estado no local «algumas horas», tendo sido «chamados logo para outro sítio», os bombeiros «não actuaram logo na hora», diz. «Se nos têm auxiliado logo, talvez o fogo não tivesse descido tanto. Se não fosse a população, as casas tinham desaparecido», garante.

Apesar do prejuízo não ter sido significativo, La Salete Páscoa, residente na Aldeia da Serra – onde tudo começou -, diz ter vivido momentos de «aflição». «Fui embora do terreno e em menos de uma hora começaram a tocar o sino, a avisar que havia um incêndio. Estiveram mesmo à espera que eu me fosse embora para cá virem deitar o fogo», constata. Mais que o terreno ardido, sobrou o susto. «Se não fossem os bombeiros, o fogo chegava às casas. Foi por pouco. As pessoas tentaram combater o fogo com mangueiras, baldes, com o que tinham à mão. Só visto», conta.

Rafael Mangana O que dantes era verde, agora não é mais que um vasto manto de cinzento

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