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Árvores no espaço público

Normalmente, associa-se a Árvore da Sabedoria, cujos frutos vencem o olvido e a ignorância, à aprendizagem e à medição do tempo natural e efémero da vida; analogia que não esconde o desempenho das árvores na fecundidade e no equilíbrio dos ecossistemas. É, aliás, comum considerar as árvores na inferição do génio dos lugares, pois elas bebem do passado. Dada a sua longevidade, conhecem várias gerações e inscrevem nos seus anéis a memória dos tempos idos, pelo que nalgumas culturas são consideradas sagradas. Contudo, apesar de garantirem a vida na Terra, não estão livres do maior perigo: a estupidez humana.

Sob o pretexto da “poda” (limpeza e manutenção), as árvores de grande porte da região têm vindo a ser objectivamente degoladas: a sublime alameda de plátanos de Unhais da Serra foi derrubada; a tília centenária do Rodrigo jamais recuperará o aspecto frondoso que lhe conhecemos; os plátanos da estrada Tortosendo-Covilhã-Canhoso deixaram definitivamente de ofuscar as vivendas de tipo socrático. Mais inquietante que a extensa lista de exemplos, é a falta de escrúpulo com que se continua a dispor do património arbóreo colectivo, mutilando barbaramente o que demora décadas ou séculos a crescer. Os cotos que sobram da monda representam o que de mais vil há no homem.

Dando-nos sombra, lenha e fruto, mesmo em meio urbano, as árvores não se ficam pela função decorativa. A arborização coadjuva as mais racionais directrizes urbanísticas e arquitectónicas e, mesmo quando as não há, logra qualificar os sítios, aumentar a higroscopicidade e a estabilidade dos solos, absorver o ruído automóvel, purificar o ar, conter o vento, etc. Donde, não podermos continuar a resumir os “espaços verdes” aos canteiros residuais dos loteamentos, relvados das rotundas e floreiras dependuradas nos separadores das vias. Há que evoluir dos “jardins zen” (empedrados) para corredores verdes que assegurem a continuidade do coberto vegetal e convidem as pessoas a andar a pé até às áreas naturais envolventes. A integração das árvores no espaço público é, pois, necessária para o conforto e a qualidade de vida, como contraponto da paisagem artificial, aliando as culturas urbana e rural. Na cidade, como no campo, há árvores que fazem lugares. Não entender isto, é não entender nada.

Nalguns países, as estradas adequam-se às árvores preexistentes e, em caso de necessidade, transladam-se ou convocam-se referendos para apurar a vontade popular acerca do destino a dar a espécimes centenários. No pós-guerra, até os alemães plantaram árvores da mesma espécie nos espaços reconstruídos, essencialmente por razões afectivas e humanistas. Em França, o património arbóreo é considerado a par do arquitectónico. Se na Beira algumas árvores notáveis ainda enchem de orgulho as populações, porque não se inquietam as pessoas quando as vêem arder ou tombar em nome do “progresso”? Por que motivo os planos municipais de ordenamento do território, que supostamente servem para cuidar do bem comum, ignoram a paisagem?

Quando o desrespeito pelo ambiente e a violência de medidas administrativas gratuitas excede o habitual, dividimo-nos entre a tristeza e a repulsa. Infelizmente, na sociedade portuguesa vulgariza-se a tolerância para com estas atitudes insensatas e despóticas, seja pelo temor de represálias ou por simples indolência; “apagada e vil tristeza” que tolhe o avanço para um qualquer futuro não hipotecado. Ainda assim, as árvores, na sua beleza vertical, merecem o melhor da nossa sensibilidade e inteligência.

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Nota: Para perceber a motivação do que acabo de expor, v. http://sombra-verde.blogspot.com, http://ocantarozangado.blogspot.com e http://dias-com-arvores.blogspot.com

Por: Francisco Paiva

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