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Arte volta a invadir o Feital

Este ano a residência artística decorre sob a temática “Desenho e escrita”

No portão está a placa “Atelier Temos Tempo”. A casa da escultora e pintora do Feital é também a sede da associação cultural “Luzlinar”, em actividade desde Setembro de 2004. As artes plásticas e performativas experimentais são a principal aposta da associação, assim como divulgar o património local e regional, através de projectos criativos que interajam com a comunidade. Mas, “luzlinar” é também o verbo legitimidado pelos versos de Alexandre O’Neill para retratar Maria Lino. «…Tudo te vai servindo para luzlinar» escreveu o poeta, em 1969. Por detrás da serenidade e do seu sorriso fácil, está uma vida agitada que dá força à associação e dimensão à aldeia.

Partiu para Alemanha em 70, depois de ter sido professora de desenho em Lisboa. Deixou de dar aulas porque «apesar de ter dinheiro não tinha tempo para o meu trabalho», confessa. Ficou em Hamburgo, onde deu aulas na Escola Superior de Belas Artes e acabou por lá viver 27 anos. Agora, que regressou à sua terra natal tem tempo para fazer o que lhe apetece e o que gosta. Pinta todos os dias e transforma troncos de castanheiros em esculturas. «Decidi regressar para ter um sítio onde guardar o meu trabalho», confessa Maria Lino, que há nove anos regressou ao Feital. «Quando cheguei, vinha com um grupo de artistas da Alemanha e da Noruega, e este espaço estava vazio. Três dias depois chegaram as minhas coisas nuns camiões, e desde então isto nunca mais ficou desocupado», recorda. E agora, ainda há tempo para organizar o Simpósio Internacional de Arte do Feital, onde vários artistas portugueses e estrangeiros são convidados a desenvolver um projecto artístico. O primeiro Simpósio aconteceu em 1995, com a participação de doze artistas. Este ano a residência artística decorre sob a temática “Desenho e escrita”.

No atelier “Temos Tempo” há várias esculturas em madeira espalhadas aleatoriamente, desenhos e pinturas na parede. «Aqui, o tempo é sempre ganho, perdido nunca, passa é muito depressa», confessa a artista, enquanto olha lá para fora, através das grandes janelas. «Ali, ainda estão vestígios de uma das últimas actividades, fizemos uma Ceia Paleolítica, no solstício de Verão», aponta.

Apesar de já ter encontrado um sítio para proteger o seu trabalho, ainda não se sente realizada, «há um “bichinho” cá dentro que obriga sempre a querer mais», constata. «Por mim acabava-se com o dinheiro e vivia-se da troca directa», atira a artista que se sente esgotada pela sociedade de consumo. «Há uma pessoa com quem troco azeite por trabalhos meus e por aí fora», dá como exemplo. Mas, a maior dificuldade que sente é com os políticos, «ainda não encontrei nenhum que percebesse alguma coisa de arte», lamenta, acrescentando, «a cultura para eles não tem nada a ver com o que eu entendo por cultura, e isso dá-me pena», diz com alguma mágoa.

O’Neill dedicou poema a Maria Lino

Um dos grandes da poesia portuguesa, Alexandre O’Neill, não ficou indiferente à sensibilidade de Maria Lino. Em 1969, O’Neill retratou a sua arte no poema: «Tomo o teu traço e com ele contorno/as figuras que nunca são adorno/Que bonita figura nós fazemos/assim designadas, ó mania da luz!/Por certo, virilomem, na lapela/melhor não esmaltaras tua bela./Humor-amor que sempre despromoves/aquilo a que te movem e te moves!/Amor-Humor, que interpostas figuras/escolhes para assumir as criaturas!/Flor, grande-de espanha, trapo,/bicho, pata de bicho, nalga de macaco,…/… tudo te vai servindo para luzlinar,/ó mania da luz, o grande humor de amar!».

Alexandre O’Neill faleceu há precisamente 20 anos (a 21 de Agosto de 1986), em Lisboa.

Patrícia Correia

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