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Arguido confessa crime, mas só queria assustar

Sentença do homicídio de Miguel Madeira agendada para 6 de Novembro no Tribunal de Trancoso

O Ministério Público e o advogado da família de Miguel Madeira, presidente da Junta de Vila Franca das Naves morto há pouco mais de um ano, pediram uma «pena exemplar» para o presumível homicida. João Loureiro, ex-emigrante de 68 anos, está a ser julgado no Tribunal de Trancoso pelos crimes de homicídio qualificado e posse ilegal de armas, incorrendo numa pena que pode ir dos 12 aos 25 anos de cadeia. A sentença será conhecida a 6 de Novembro.

O julgamento decorreu numa única sessão, já que o colectivo de juízes, presidido por Heitor Osório, ouviu, na última segunda-feira, as principais testemunhas e as alegações finais dos advogados e Procurador da República. A sessão começou com a confissão de João Loureiro. O arguido admitiu o crime, mas alegou que não pretendia matar Miguel Madeira quando, no dia 27 de Setembro de 2005, saiu de casa com uma caçadeira: «Não sei o que me passou pela cabeça. Disse-lhe para deixar as pedras e os vasos onde estavam senão matava-o, mas era só para assustar. Quando ele me respondeu que me fosse embora, enervei-me e puxei os gatilhos. Foi rápido, tau-tau. Depois fui-me embora», contou. O autarca de 37 anos foi abatido à queima-roupa no interior da sua carrinha, quando se preparava para remover algumas pedras propositadamente colocadas pelo arguido para obstruir um lugar de estacionamento em frente à sua casa. Inquirido pelo juiz presidente, João Loureiro argumentou que o terreno da discórdia era sua propriedade e que a zona de estacionamento tinha sido acordada com um anterior presidente de Junta aquando da abertura da Rua da Indústria.

«Foi mandada fazer como sendo um aparcamento privado para mim por Alfredo Torres [já falecido] em troca da cedência do terreno», referiu, confirmando ter recebido algumas notificações da Junta para «limpar a zona». Avisos que não acatou porque o terreno era seu, ali tendo colocado as pedras «há 18 anos». Já a sua esposa também insistiu na propriedade do local: «Eram 500 metros meus, porque a rua foi aberta no nosso terreno», reiterou Amália Loureiro, lembrando que os antecessores de Miguel Madeira «não mexeram em nada porque sabiam que aquilo era nosso». No entanto, a testemunha, que já tinha irritado o juiz-presidente por não responder às perguntas, protagonizou um incidente durante o depoimento de Manuel Alves e acabou por ser expulsa da sala de audiências.

Tudo porque chamou «mentiroso» ao funcionário da Junta que, com mais dois operários, trabalhava no local no dia do crime quando este contou que ela tinha interpelado o marido: «Mata esse gatuno, esse miserável que nunca teve nada». Manuel Alves também falou das ameaças de morte, ao que Miguel Madeira terá respondido que «não era caso de morte, mas sim do tribunal».

E acrescentou que a esposa mandou o marido buscar os documentos do terreno e telefonar para o advogado. «Só que João Loureiro regressou com uma caçadeira», referiu, admitindo ter fugido com medo que também lhe desse um tiro. Contudo, o funcionário não deixou de responsabilizar as autoridades pela tragédia: «O problema já existia há muitos anos, até era uma vergonha para a GNR, que devia ter resolvido aquilo», criticou.

«Quis ludibriar o tribunal»

Mais tarde, durante as alegações finais, o Procurador Augusto Isidoro pediu uma pena «acima da média» entre os valores admitidos pelo Código Penal português. Já Manuel Rodrigues, advogado da família do autarca, considerou que o arguido não revelou arrependimento nem confessou o crime. «Quis ludibriar o tribunal com uma confissão parcial e distorcida, dizendo que apenas disparou nervosamente», afirmou. Pelo que pediu uma sentença «exemplar», acrescentando que «mal reagiria a sociedade» se assim não fosse. Por sua vez, Aníbal Pereira, advogado do arguido, defendeu que o seu constituinte seja condenado pelo crime de homicídio simples e absolvido do crime de detenção ilegal de arma. «Quem efectivamente tinha ordens e poder para entrar ali e retirar as pedras era o tribunal», começou por sublinhar, realçando que o presidente da Junta de Vila Franca das Naves não tinha um mandado judicial para o efeito. «Passou por cima de tudo, entendeu se calhar que estaria acima de tudo naquela localidade e isto tem estas consequências», argumentou. E sustentou que a intenção de matar «não é clara», porque João Loureiro entendeu «sempre» que estava a defender uma coisa que lhe pertencia.

Para além da parte criminal, o colectivo aprecia igualmente um pedido cível dos pais da vítima, que reclamam uma indemnização de 135 mil euros. Neste campo, Manuel Rodrigues disse ter ficado provado que a morte de Miguel Madeira foi «uma perda para a sociedade e uma perda irreparável para a família», solicitando a condenação do arguido na totalidade daquele montante. Opinião contrária apresentou Aníbal Pereira, para quem o valor é «exagerado», pelo que o tribunal deve sentenciar «por um montante mais adequado».

Luis Martins

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