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Apostar no futuro

Opinião

A crise aguça o engenho. Sobre isso ninguém tem dúvidas.

É assim em todos os setores e também terá de ser na cultura. O país corta em todas as áreas e, decisivamente, vai desperdiçar muito do que de bom se vinha fazendo, por culpa da eliminação de apoios e desinvestimento nas artes, no teatro, nas letras… Ainda assim, e com engenho, na “província” vão-se produzindo muitas coisas que faz sentido enaltecer.

No TMG, muito para além dos grandes nomes e dos artistas consagrados, é a pequena produção que emerge como elemento diferenciador e alavanca de futuro. Se no final do ano passado, fiquei impressionado pela encenação, interpretação e espaço cénico com que Luciano Amarelo nos presenteou em “D’Abalada” – da autoria de Jorge Palinhos e com música de Kubik, numa produção da “companhia residente” “Projec~” – fiquei, há duas semanas, estupefacto com “Fragas”, também do “Projec~”. Esta última produção levou-me ao palco, literalmente, porque foi ali que tudo se passou: A encenação do guardense João Neca colocou o público no palco, para desfrutar das palavras de Torga, sentir o sofrimento de uma mãe e a dor do seu filho, numa admirável interpretação de Sílvia Brito e um espantoso desempenho do jovem António Rebelo (mais um artista guardense a despontar). E, ainda este mês, “Pela mão de Carolina Beatriz Ângelo” fomos conhecer a história, o ambiente social, a vida, a luta da primeira mulher portuguesa a votar, a médica republicana, natural da Guarda, que aos poucos e com a ajuda de “leituras”, como as que de forma intensa e empolgante, Américo Rodrigues, Fátima Freitas, Élia Fernandes e Helena Neves encenaram. É assim, ou é também assim, que a Guarda tem a ganhar ao investir na cultura: a projeção de novos artistas, novos criadores, novos intérpretes e encenadores, naturais da cidade e região. Talvez porque a crise seja uma oportunidade. Ou simplesmente porque a qualidade nasce onde se semeia para colher.

A programação de abril a junho do TMG vai ter Rodrigo Leão, David Fonseca e Jorge Palma… Grandes nomes que fazem um excelente cartaz, mas não ofuscam o emergir de jovens com talento que também já conquistaram um lugar na programação do TMG.

É para isto que existe aquela infraestrutura: para não ficarmos privados de grandes espetáculos ou grandes concertos por vivermos no interior; é para que os que são de “cá” e querem “cá viver” tenham uma oportunidade, direito a crescer na sua arte, espaço para singrar e conviver com os melhores. A cultura também é uma indústria e uma oportunidade de desenvolvimento.

Luis Baptista-Martins

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